16/11/2015 12:03
A ruptura das duas barragens e a decorrente tragédia social e ambiental iniciada em Mariana, em Minas Gerais, com mortes e desaparecimentos de trabalhadores, ribeirinhos, quilombolas, pescadores e camponeses, assolam ainda vastos territórios no Espírito Santo, contaminando seus rios e córregos, afetando o já precário acesso à água potável em grandes e médias cidades capixabas.
Apesar de o Estado e as empresas tentarem passar a impressão de que está “tudo sob controle” e de que agem energicamente, na urgência, a situação na sociedade civil regional é de pânico e de extrema insegurança e vulnerabilidade diante do futuro.
Embora a Samarco, controlada pela Vale e pela BHP, e parte da mídia tenham ecoado a possibilidade de abalos sísmicos como causa prima, está claro e evidente que não se trata de uma tragédia natural. Qualquer análise mais independente percebe sua artificialidade.
- Na ganância empresarial em escala, para exportação de minério de ferro com apoio econômico e incentivos fiscais do(s) Estado(s) deficitários, em suas várias esferas, para atividade mineradora de alto risco e baixo valor agregado.
- Na flexibilização de parâmetros, códigos e leis ambientais, como as licenças operacionais vencidas e “automaticamente” prorrogadas, concomitante à lei do silêncio imposta a técnicos independentes, dos próprios órgãos licenciadores.
- Na espantosa ausência de qualquer plano de emergência, minimamente dialogado com a sociedade civil do entorno.
É óbvio que se trata de uma tragédia artificial! Obra de artífices “in-genium”, concebida em planilhas do planejamento de Estado e empresarial, gestada por técnicos, burocratas, empresários, políticos, dentro de um modelo extrativo a ferro e fogo, que retroalimenta nosso eterno estado colonial e sacramenta o lugar do Brasil “vira-lata” no século XXI.
Outra mentira, ecoada pela Samarco (Vale/BHP), referendada por tecnocratas do setor, diz ser a lama tóxica algo inofensivo, estéril, sem risco de contaminação. Em Baixo Guandu, cidade capixaba perto da fronteira com Minas Gerais, o serviço de água e esgoto detectou: chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e até mesmo mercúrio, em análise da água do Rio Doce, a montante. A lama tóxica seguirá contaminando por longo tempo a terra e a água de centenas de milhares de famílias e povos, das minas até a costa atlântica capixaba, região muitas vezes mais vasta que a previsibilidade dos licenciamentos estatais e selos ambientais das corporações mineradoras.
O rio Doce que estava agonizando em seca, desde o primeiro semestre de 2015 sem desaguar no mar, está agora escorrendo a lama tóxica. Em sua foz, abriram a boca do rio para que a lama jorre para o mar. E no meio do caminho, o canal Caboclo Bernardo – desvio do rio Doce feito de forma totalmente irregular pela Aracruz Celulose, em 2000, para abastecer suas três fábricas localizadas a 50 quilômetros de distância (em 2006, já consumiam 250 mil m3 de água por dia, o que dariam para abastecer toda a população da região metropolitana de Vitória). A empresa controla o canal a seu bel prazer, como agora quando durante a crise hídrica mais aguda de todos os tempos continuava captando o restante da água, enquanto a população a jusante nos municípios de Regência e Barra do Riacho bebia água salinizada, a ponto de fecharem a escola e muitas pessoas adoecerem. Neste momento, a Aracruz Celulose/Fibria corre para fechar o canal, para não comprometer a qualidade de sua celulose certificada pelo FSC [Forest Stewardship Council].
As informações que chegam estão bastante desencontradas e filtradas. Em Minas Gerais interditaram totalmente os locais, apenas a própria Samarco entra na cena do seu crime. Em Colatina e Linhares, onde a lama está passando, a população faz o estoque que pode para garantir alguma água durante os próximos tempos, já que não poderá mais dispor do rio que a abastecia. Os pescadores e as pescadoras não sabem como sobreviverão. Famílias agricultoras preveem ficar ainda mais prensadas e desterritorializadas. E mesmo os que vivem na região metropolitana temem pela poluição do seu litoral.
O governo estadual, como sempre, busca a solução nas grandes empresas, fazendo o apelo para que doem água. Como se apropriaram de boa parte da água, são as únicas que dela dispõem e, claro, não perderão a oportunidade para a sua cota de “responsabilidade social” .
Em meio a tantas incertezas, sabe-se que a extensão dos impactos é incalculável e que não se trata de um espetáculo, onde podemos esperar para ver a lama passar. A FASE se solidariza com as famílias e povos afetados, mantendo-se vigilante por suas justas, urgentes e necessárias reparações por parte do Estado e das empresas criminosas. Conclama, ainda, a sociedade brasileira a repudiar esse modelo extrativista e sua expansão fundada em injustiça e no racismo ambiental.