10/01/2008 15:20

Pedro Cláudio Cunca Bocayuva (Assessor Nacional da FASE)

A ação policial contra as vans piratas no Rio de Janeiro revela a conexão entre poder paralelo e violência. O taco de beisebol apreendido pelos agentes policiais, a exemplo das provocações nazi-fascistas, trazia escrito em tintas brancas: direitos humanos. O caldo de cultura ideológico do medo alimenta os segmentos sociais que se beneficiam da articulação entre mercantilização da vida social e privatização do Estado. Grandes corporações autonomizadas e monopólios de fluxos de riquezas se ligam com saques e aprisionamento permanente de corpos e mentes, no ciclo econômico político que define os contornos de um conflito distributivo que é a outra face das segregações e discriminações. O discurso da elite da tropa e a força das milícias se complementam por sua aversão aos direitos, na defesa do poder das articulações entre o modelo social e a dinâmica da desmedida econômica e cultural.

Graças ao combate à pirataria e aos mercados criminais no espaço urbano, nos serviços, na circulação, nos transportes, no comércio, nos gatos, que corresponde a um interesse material e regulador em disputa nas cidades, tivemos a revelação do triste espetáculo promovido pelo discurso da força. A defesa do abuso e da tortura é comum em nossa longa duração histórica, tanto no espaço institucional legal quanto no espaço criminal que opera à sua sombra.

O crime cometido à sombra do poder é mais do que um resíduo autoritário. Expressa as linhas de força de uma cultura que se retroalimenta do medo da violência para justificar o emprego da tortura. Para os amigos o abuso, as negociatas, a corrupção, a liberalidade para os inimigos mais do que a lei, o taco. Para esses setores, trata-se sempre de naturalizar a violência, transformada em economia política da acumulação primitiva sobre o espaço urbano. A divisão do trabalho e do serviço sujo de apartação e contenção, que justifica a formação desses corpos paralelos contra o corpo social, virou poder paralelo real nas redes urbanas. Um inverso simétrico do narcotráfico que, quando começa a ser combatido, revela a face sinistra da aversão aos valores, da destituição dos direitos e sua adesão ao regime de força como forma de controle. As chamadas milícias são uma fração do fascismo social que viceja na sombra do abuso das ações de guerra contra as comunidades.

Uma operação de polícia revela a quem interessa o discurso contra os direitos. No combate gerado pela polícia para o controle nos núcleos econômicos dos circuitos paralelos, revela-se a “milícia” como nova síntese da “mineira” e dos “esquadrões”, como um mecanismo mais eficiente e empresarial e sistemático de economia perversa e divisão do trabalho de controle sujo. É a nova zona de ação da sombra autoritária que se revela na conexão estreita entre o verdadeiro crime organizado e o exercício da tortura e da crueldade sobre os outros. A ideologia anti-direitos é o substrato subjetivo que confere, frente a uma fração atemorizada da população urbana, uma carapaça de pseudo-legitimidade irracional para as redes materiais de controle e espoliação em que agentes do estado devolvem para cima e para baixo o bordão fascista da sua função de controle e limpeza social. Na era do hiperrealismo estético da Tropa de Elite – imagem do poder de um aparato de exceção institucionalizado com design protofacista – não é estranho que encontremos sua face complementar no discurso do taco contra os direitos humanos.

Os jogos dos valores invertidos e os discursos apelativos que alimentam o ódio social e étnico permitem a denúncia da crise da legalidade e dos valores dos direitos, ali onde a cidadania só tem validade para alguns, até que não sobre para mais ninguém. O bastão é como a ponta do iceberg de uma hipocrisia e de uma razão cínica que só denuncia como crime aquilo que fere o interesse da propriedade e, com isso, perde de vista a relação entre a violência e a desmedida dos múltiplos arbítrios de um capitalismo selvagem e autoritário. O capitalismo legal da riqueza concentrada e o capitalismo primitivo do saque e da espoliação local pelas vias criminais se articulam com o discurso autoritário e o pequeno fascismo da razão cínica, da crueldade e do medo.

Neste quadro, as operações legais devem ser lidas criticamente a partir da consistência na defesa dos direitos como condição de cidadania. Esta leitura crítica é o único antídoto contra a reprodução da barbárie dos acima e dos fora da lei, dos agentes da exceção e daqueles que se locupletam com a ausência de direitos para todos e todas.