20/04/2007 16:04

Fausto Oliveira*

A instalação da CPI das ONGs no Senado é uma ocasião para refletir sobre o papel e a importância destas entidades na sociedade brasileira. Este é um debate necessário que, no entanto, vem sendo contaminado por denúncias feitas contra pseudo-ONGs que se valem da ausência de um marco legal para este tipo de organização social para cometer ilegalidades. As denúncias não podem ser generalizadas, sob pena de criminalizar organizações sociais sérias que lutam pelo aprofundamento da democracia, pela afirmação dos direitos e pela afirmação do papel do Estado na proteção de todas as pessoas.

Organizações não governamentais são uma das formas de organização da sociedade em processos democráticos. Toda sociedade tem o direito de se organizar para intervir na vida política de seu país. É legítimo que pessoas que pensem de forma semelhante se unam para tentar interferir de certa maneira na realidade social. E, sendo idônea, este tipo de organização deve ser avaliada pelo trabalho que realiza. No Brasil, a Associação Brasileira de ONGs (Abong) reúne quase 300 entidades sem fins lucrativos atuantes na defesa de direitos humanos e contra as desigualdades e injustiças sociais com base em práticas pedagógicas e metodologias diferentes. A característica comum a estas variadas organizações é o compromisso com grupos sociais marginalizados ou discriminados, por meio de ações que lhes garantam direitos.

Mas a definição jurídica sobre a identidade destas organizações ainda apresenta muitas contradições. Por isso, uma das grandes lutas da Abong é pela criação de um marco legal que contribua para a definição desta identidade. Este tema não vem sendo tratado com o devido cuidado, considerando sua complexidade. O resultado disso é a enorme confusão em torno do amplo universo das entidades sem fins lucrativos brasileiras. Dentro dele existem as organizações que se definem como ONGs, mas também associações comunitárias, entidades ligadas a políticos, centros sociais de igrejas, entidades criadas para fins espúrios e tantos outros formatos.

Relação com o Estado – Na Europa, organizações sociais têm uma tradicional relação com os Estados. Têm acesso aos recursos públicos participando de seleções para implementação de projetos e desenvolvimento de seus trabalhos. Da parte das sociedades, há o reconhecimento da legitimidade do trabalho destas organizações no que se refere à democracia e ao fortalecimento da cidadania. Algumas apontam a ajuda internacional como caminho, e os próprios governos concordam em prestar auxílio internacional na base cooperação entre países. Esta prática de assessorar governos por meio de convênios que promovam a integração social também existe no Brasil. E o uso dos recursos públicos pelas organizações sociais está sendo questionado pela CPI das ONGs. Novamente, a confusão se instala e as generalizações perniciosas começam a acontecer.

Organizações sérias como aquelas filiadas à Abong jamais dirão que não se deve controlar o uso de recursos públicos, nem serão contrárias ao combate à corrupção. O problema é que se faz necessário uma regulação severa para o acesso a recursos públicos por parte de toda e qualquer organização, seja ela uma ONG, uma empresa ou outra identidade. Do modo como é hoje, empresas e políticos também se apropriam de recursos públicos, tantas e tantas vezes com resultados ilegais. O que deve ser controlado é o fluxo de recursos públicos, pois as organizações sérias são nada mais do que grupos de pessoas identificadas com uma causa solidária e dispostas a realizar um trabalho que ninguém parece ter interesse em fazer.

O trabalho das ONGs – Uma sociedade que convive com desigualdades tão gritantes deve valorizar o trabalho das ONGs. Pois não se trata de desigualdade de renda, apenas. Dizer que a simples abertura de escolas e postos de trabalho é a solução definitiva é iludir a opinião pública. A educação voltada para a cidadania e a mobilização social são instrumentos para que o país tenha cidadãos e cidadãs críticos e atuantes. Descer à base social e enxergar os conflitos revela um quadro muito mais complexo que só pode ser abordado de maneira transversal. O que as ONGs tentam fazer é combinar soluções educativas, produtivas, organizativas, psicológicas e políticas para dar resposta a sujeitos sociais que vêem o mundo avançar a largos passos enquanto eles perdem o carro da História. E isso é feito em parceria com movimentos sociais em espaços segregados, onde os conflitos e a violência se expressam mais acirradamente.

Ao iniciar um processo de CPI das ONGs, que já na origem está marcado por posturas denuncistas e gereralizadoras, o Congresso deve refletir com serenidade sobre o que pode prejudicar se não souber discernir quem está promovendo o desenvolvimento social e quem se aproveita de omissões da lei para obter benefícios particulares.

* Fausto Oliveira é jornalista da FASE.