16/12/2014 13:22

Aercio de Oliveira ¹

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ)² é mais uma demonstração empírica irrefragável de que o crescimento econômico não garante distribuição de renda – tese que orienta o exaustivo trabalho de Thomas Piketty. Claro que muita gente, de um jeito ou de outro, já gastou bastante tinta para defender essa posição. A diferença, no entanto, entre seus antecessores mais notáveis e Piketty é que este consegue partir de informações que aqueles, à época, não tinham. No livro “O Capital no Século XXI”, o economista francês e a sua equipe pesquisaram dados referentes à renda e à riqueza de 20 países. O limite temporal foi do início do século XVIII até o presente século.

lixo acumulado no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense

Serviço de limpeza urbana precário em Duque de Caxias, um dos municípios da Região Metropolitana do RJ. (Foto: Tânia Rêgo/ABr)

Muita gente daqui deve ter pensado: tanto trabalho para confirmar a tese que qualquer brasileiro ou brasileira minimamente informada conhece muito bem. Afinal de contas, estamos entre as dez maiores economias do mundo e, ao mesmo tempo, entre os países mais desiguais. A questão é que pululam no planeta estudiosos, propagandistas, charlatões, políticos, empresários, economistas, etc, que afirmam sem pestanejar que, inexoravelmente, do crescimento econômico derivará a distribuição de renda e o bem-estar social. Afirmam que a tendência é ficar uma desigualdade mínima, que serviria como estimulante para o desenvolvimento. É preciso, portanto, muito esforço intelectual e teórico para refutar a crença desses apologistas que parecem ignorar a realidade. Provavelmente, antes da obra do Piketty, alguém poderia falar que a desigualdade do Brasil estaria com os dias contados. Só que, infelizmente, de maneira geral, já que os dados do Brasil não foram disponibilizados para a pesquisa ³, não é isso que os estudos demonstram. O que Piketty defende não é uma tese circunstancial para tratar da desigualdade de um país A ou B. Ele vai bem mais longe ao inferir que no desenvolvimento econômico capitalista a desigualdade é estrutural. É um fenômeno constitutivo que adquire mais força no capitalismo atual, em que a financeirização se espraia sem consideráveis constrangimentos.

Os “trinta anos gloriosos” do capitalismo após a segunda Grande Guerra produziu uma ilusão de que o bem-estar era incontornável. Para alguns, bastava um pouco de paciência. O que temos visto é o quanto a busca pelo aumento da riqueza tem elevado a desigualdade social e o mal-estar na nossa civilização. O fosso que separa ricos e pobres, nas últimas décadas, tem ficado mais largo e mais fundo.

Depois dessa digressão, retorno ao ponto de partida do texto: a região metropolitana fluminense. Duas recentes informações chamam a atenção  e se relacionam ao debate estimulado pelo best seller do Piketty. Uma, do IBGE, que, ao apurar o panorama econômico entre 2011 e 2012, concluiu que o estado do Rio de Janeiro continua a ser a segunda principal economia do país e foi o único estado, entre os dez de maior Produto Interno Bruto (PIB), que registrou crescimento. A outra informação é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da RMRJ, lançado no final de 2014 (www.atlasbrasil.org.br)  e produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). São verificados e analisados os dados do IBGE de 2010 relativos às condições de saúde, educação e renda para se chegar ao IDH. No caso, para surpresa dos que acreditam na tese que muitos de nós e Piketty refutamos, a RMRJ, que ocupava a terceira posição do ranking do IDH em 2000, passou para a sexta posição. Ou seja, mesmo ao entrar na faixa de desenvolvimento alto, em 2000 estava na faixa de baixo IDH, parece “intrigante” essa posição.

Desde 2002, o Rio de Janeiro tem a segunda maior economia do país e é uma das que mais cresce quando se analisa todos os estados. Estamos falando de um estado cuja região metropolitana é responsável por 68% do PIB fluminense e onde 74,7% da população reside.

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Uma das manifestações no contexto da Copa do Mundo de 2014. (Foto: Tomaz Silva/ABr)

Mirando os eventos esportivos, a produção de óleo e gás, a descoberta do pré-sal, os investimentos públicos, especialmente o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), propagandeava-se que esse conjunto de iniciativas e recursos alteraria a vida da população para melhor. Sabemos quão difícil é definir parâmetros precisos para uma boa qualidade de vida, ainda mais em uma sociedade de consumo cuja insaciabilidade humana só tende a aumentar, mas será que as promessas se confirmaram? O déficit habitacional, o custo de vida, o tempo gasto na condução para ir ao trabalho, a violência policial, as remoções e despejos, enchentes e deslizamentos, as condições de saneamento ambiental, as condições do trabalho e o salário, entre outros tópicos, parecem só aumentar as chamas do nosso inferno urbano. É difícil acreditar na relação causal entre desenvolvimento econômico e distribuição de renda. Lamentavelmente, o mundo ordinário, especialmente a RMRJ, recebe a tese do francês Thomas Piketty e dos seus colaboradores de braços bem abertos.

[1] Coordenador da equipe regional da FASE Rio.

[2] De acordo com a Lei nº 105 de 2002, a região é composta pelos municípios de Belford-Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Mangaratiba, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica e Tanguá. A população total da RMRJ é de 11.864.527 habitantes.

[3] Em outubro de 2014 os pesquisadores da Universidade de Brasília (UNB) Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Costa, seguindo a metodologia de Piketty, publicaram documento (http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=8962 )  que aponta, a partir da análise de dados da Receita Federal, que os 5% mais ricos detinham 44% da renda da população brasileira.