02/07/2020 15:47
Daniela Meirelles, Luiza de Marillac, Mônica Ponte e Rosimere Nery¹
De repente chegou a pandemia em nossas vidas, exigindo ainda mais das mulheres já bastante sobrecarregadas e invisibilizadas em suas múltiplas atividades. Como se manter saudável diante de tantas dificuldades? Como cuidar dos outros e não esquecer do cuidado com nós mesmas? Vivemos em uma sociedade onde o exercício do cuidar, e até mesmo o da solidariedade, é colocado como um ato inerente à história das mulheres, habituadas a cuidar das pessoas e das coisas ao seu redor. No entanto, o ato de cuidar é uma ação que também gera desgaste emocional, sobrecarga e abdicações. As ações para o enfrentamento da disseminação do novo coronavírus incidiu exatamente na ambiguidade da posição social das mulheres que se viram obrigadas a incorporar novos esforços no espaço privado, espaço este que antes era dado como refúgio e descanso.
A pandemia trouxe imensos desafios para as mulheres, as desigualdades já existentes se agravaram, especialmente para as mulheres negras, pobres e periféricas. Tendo maior intensidade com o desemprego, a precarização do trabalho e o racismo estrutural. O confinamento colocou as mulheres em situação de maior vulnerabilidade social dado os riscos da violência doméstica, pois são obrigadas a conviver a maior parte do tempo com seus agressores. Realidade que ficou ainda mais evidente e crescente durante a pandemia com a redução ou paralisação de órgãos públicos como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAs), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAs) e as Delegacias de Mulheres, já antes insuficientes para combater esta violência, dificultou o acolhimento, a notificação e a proteção das mulheres.
De acordo coma análise feita por Daniel Freeman, psicólogo da Universidade Oxford, as mulheres estão com sua saúde psicológica mais afetada. Elas também estão mais propensas a sofrer com ansiedade, depressão entre outras enfermidades, pois tem no seu cotidiano o acúmulo das tarefas domésticas, os cuidados com os filhos e filhas e com a família de modo geral. Os medos e as incertezas, se somam à insegurança financeira e alimentar, algumas necessitam sair de casa para trabalhar, principalmente as que são mães solo, e outras tendo que se adaptar ao intenso trabalho remoto “home office”. As agricultoras familiares e pescadoras artesanais estão, em muitos casos, com dificuldades de comercializar seus produtos, além das restrições das compras públicas². O apoio externo presente na vida de muitas mulheres antes da pandemia, como escola e creche, foi suprimido. As avós, que muito contribuíam nestes cuidados, estão no grupo de risco e devem ser poupadas. A flexibilização do isolamento social em muitos estados não considera este agravante da disponibilidade das mulheres.
O olhar de gênero diante das consequências da pandemia não pode ser minimizado. A crise sanitária coloca em evidência a face cruel de quem vive em um país tão desigual, onde quem fica com os piores efeitos são as mais pobres e geralmente a população negra, que de forma geral, também residem em áreas com graves dificuldades de acesso à água, ao saneamento e moradias precárias, itens importantes para higienização.
Cuidar de mim para cuidar do outro
O cuidado deveria ser visto como um lugar de potência para as mulheres, onde cuidar de si mesma, umas das outras, cuidar dos outros, ser cuidadas e responder os cuidados fossem elementos de valorização da trajetória social das mulheres. O saber, as experiências e as capacidades que tiveram e têm correspondem a luta por sua emancipação, que se ampara em princípios, como a solidariedade, afeto, reciprocidade e horizontalidade. Talvez por estes motivos que países liderados por mulheres se destacam no combate à pandemia. Nova Zelândia, Alemanha, Taiwan e Noruega, todos, com mulheres em cargos de decisão política, estão tendo, relativamente, menos mortes pela Covid-19. Sabemos que outros fatores incidem neste resultado, mas o fato de serem governados por mulheres tem a sua especificidade.
Ações das organizações da sociedade civil são essenciais para contribuir na resposta à pandemia. A FASE mantém seu trabalho de educação popular junto às mulheres das organizações e movimentos sociais com as quais atua. Compreendemos que esse contexto desafiou a instituição a se reinventar para acompanhar e fortalecer a capacidade de articulação política das mulheres. Nesse processo, temos apoiado iniciativas no campo de denúncias pela garantia de direitos, como a luta pelo acesso à água, renda mínima, à alimentação, o acesso às políticas públicas e contra a violência doméstica. Isso significou criar espaços de diálogo, escuta, acolher as situações de conflito e realizar ações de solidariedade como doações alimentos, máscaras e kits de higiene. Compreendemos que essas ações também são formas de incidência política.
Diante o limite da vida, as mulheres têm muito a contribuir com as escolhas e práticas do imprescindível. Se respeitadas, incluídas e valorizadas podemos sugerir algum horizonte pós pandemia onde nossas naturezas convivam com algum equilíbrio e a vida floresça. Ainda que queiram nos calar, nós não vamos nos silenciar!
Convidamos todas as mulheres para se cuidar, dedicar mais tempo para si própria, como uma forma de resistência!
[1] Integrantes do GT Fundo e Ações Comunitárias: Daniela Meirelles, educadora da FASE no Espírito Santo; Luiza de Marillac, coordenadora da FASE em Pernambuco; Mônica Ponte, Fundo SAAP; e Rosimere Nery, educadora da FASE em Pernambuco.
[2] Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar