03/10/2019 18:37

Camila Moreno¹

A plena entrada em vigor do Acordo de Paris terá lugar em menos de seis meses, a partir de 1º de janeiro de 2020, e, apesar disso, temas centrais que dizem respeito à implementação da governança multilateral da mudança do clima que permanecem sem uma decisão definitiva. Apesar do chamado Livro de Regras do Acordo de Paris haver sido finalizado no final de 2018 na COP que teve lugar em Katowice, Polônia, questões centrais sobre a natureza da próxima etapa do regime terão momento decisivo na COP 25, que acontecerá de 2 a 14 de dezembro, no Chile.

Como ocorre todos os anos, a reunião intersecional dos corpos subsidiários técnicos à convenção do clima (UNFCCC) teve lugar em Bonn, Alemanha, de 17 a 27 de junho. Esperava-se que as negociações tivessem avançado na direção de alinhar um texto mais próximo das decisões que terão de ser tomadas no Chile, mas temas importantes permanecem inconclusos, no mínimo, ou encaminhados de forma preocupante.

No âmbito da negociação oficial, um tema central é a definição do que poderá ser contabilizável como “ação climática”. Isso quer dizer, se poderão ser contabilizadas reduções de emissões, emissões evitadas, emissões sequestradas e como serão feitos os “ajustes correspondentes” em termos da contabilidade geral do que será traduzido em carbono equivalentes (CO2e). Neste sentido, falta definir o peso e o escopo que poderão ter os mecanismos de mercado para o cumprimento dos compromissos nacionais e da possibilidade de “transferência” internacional de unidades do resultado de ações de mitigação entre os países (ITMOs), tema do Artigo 6 do Acordo de Paris.

Um ponto da agenda que está sendo negociado para finalizar as regras de operação do Acordo de Paris é o da transparência – de certa forma, a espinha dorsal de todo o acordo –, que envolve a criação de um registro global, sob a UNFCCC que ofereça um marco comum para medir, reportar e verificar emissões. Afim de viabilizar uma contabilidade unificada das ações climáticas traduzidas em unidades de carbono, para onde a tecnologia de blockchain, por um lado, e a integração as cadeias globais de valor (commodities), por outro, seriam cada vez mais estruturais às ações climáticas, mas também ao comércio.

Outro tema relevante é a forma como vêm sendo puxado o tema da agricultura nas negociações climáticas e todas as questões relativas à terra e à mudança do seu uso, para que sejam atividades contabilizáveis para mitigação, e não apenas adaptação – temas que terão vastas implicações sobre os territórios dos países do Sul global. Um workshop oficial durante dois dias das negociações, tratou do programa de Koronivia sobre a agricultura e a narrativa que converge não apenas para a transformação digital da agricultura, mas também ao gigantesco pacote tecnológico – e de propriedade intelectual – relacionado à contabilização e gestão do carbono na agricultura e pecuária.

Estas questões dialogam não apenas com o fato dos países estarem em processo de preparação da atualização de suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) – pilar da natureza bottom up do Acordo de Paris – mas também das estratégias climáticas de longo prazo, como a descarbonização/neutralização e/ou desenvolvimento de baixo carbono. Estas por sua vez, além de serem transversais ao acesso do financiamento climático, se fundem também à agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e da fusão da cooperação internacional para o desenvolvimento à agenda climática, sob o conceito de contribuições não mais por input, mas por output, de “pagamentos por resultados”.

Rumo à COP 25

O segundo semestre de 2019 terá uma agenda intensa de atividades paralelas que visam influenciar o que deverá ser impreterivelmente finalizado na negociação em Santiago. Um dos pontos altos deste processo será a UN Climate Action Summit, sob os auspícios do Secretário Geral das Nações Unidas António Guterres, que teve lugar em 23 de setembro, em Nova Iorque, na véspera da sessão da Assembleia Geral. A chamada para o evento é que os atores interessados levem à Nova Iorque ‘planos concretos e realísticos para aumentar suas NDCs para 2020, em linha com a redução de 45% gases de efeito estufa ao longo da próxima década e emissões líquidas zero (net zero emissions) em 2050’.² O processo de preparação para a conferência – um evento híbrido que junta de forma voluntária países, setor privado e sociedade civil – coloca ênfase nas “ações climáticas” e na urgência de soluções efetivas e que possam ser implementadas em escala.

É preocupante que o eixo de soluções (para o clima) baseadas na natureza (nature-based solutions) venha ganhando grande destaque e relevância, uma vez que invariavelmente aqui se trata de terra, território e biodiversidade. Este eixo é co-coordenado (co-chaired) pela China e Nova Zelândia. A narrativa ao redor das soluções baseadas na natureza e do discurso de que “não se trata apenas do carbono”, precisa ser visto de forma mais complexa quando, por exemplo, atores como a petroleira Shell e outros vem enfatizando que estas “soluções” são projetos que protegem ou re-desenvolvem (redevelop) ecossistemas naturais, como florestas, savanas e áreas úmidas, ou ainda, que a melhor tecnologia já criada para mitigar as mudança climáticas é “as árvores”³.

É importante ressaltar que em 2020 a COP da CBD terá lugar na China e será a reunião onde os países precisam acordar sobre um novo plano de dez anos de ação para a proteção da biodiversidade, para o período de 2020-2030 (e que irá substituir as metas e o plano de ação de Aichi, acordados em Nagoya, em 2010). A biodiversidade ganhou momentum este ano com a publicação do relatório IPBES e a reunião da China em 2020 deverá ser a “Paris da biodiversidade”, com referência ao Acordo do clima celebrado em 2015. No cenário internacional, desde o final de 2018, novos movimentos recolocaram a questão do clima de forma decisiva na mídia e no debate público, em particular nos países europeus, em função da mobilização de jovens como a Greve Mundial Estudantil pelo Clima (Fridays for Future), a perda da biodiversidade vem sendo tematizada de forma central pelo movimento com origem na Inglaterra (mas hoje organizado em vários países) Extinction Rebellion, que conseguiu paralisar a cidade de Londres em abril. Os reflexos deste novo momentum da ênfase na agenda do clima e da biodiversidade.

Neste contexto, e levando em conta o atual momento político na região latinoamericana, um desafio será a capacidade de mobilização da sociedade civil para potencializar um debate crítico. Desde a última COP realizada na região, em Lima em 2014, a reunião oficial de dezembro será uma oportunidade muito importante de diálogo entre movimentos e organizações sociais para que se faça não apenas uma atualização da compreensão dos termos em que – na prática – as políticas de clima vêm se configurando como macro-política sobre os territórios, assim como seus efeitos que traduzem em novos esquemas, narrativas e justificativas para novos marcos legais e a racionalização de políticas públicas e financiamento, e sua tradução em efeitos práticos e na relação aos direitos.

[1] Artigo publicado originalmente no site do Grupo Carta de Belém, do qual a FASE é parte.

[2] UN Climate Action Summit 

[3] Soluções baseadas na natureza