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04/02/2015AmazoniaIndígenas Munduruku vão a Brasília para pressionar governo por consulta prévia
Comitiva de indígenas entregou protocolo à Secretaria-Geral da Presidência da República e se reuniu com a Funai. Construção de usina no rio Tapajós pode remover os Munduruku de seu território

Indígenas Munduruku ameaçados pelo empreendimento da usina hidrelétrica São Luiz do Tapajós entregaram ao ministro Miguel Rosseto, da Secretaria-Geral da Presidência da República, um protocolo sobre consulta prévia, um direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento, que detalha como eles querem ser consultados sobre a obra, foi entregue durante audiência em Brasília, realizada na sexta-feira (30).
No encontro, segundo noticiou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o cacique Juarez Saw, liderança Munduruku, entregou o documento em duas vias. “Queremos uma via assinada para levar para nossa comunidade. Nós vamos entregar o protocolo, mas não entendam que a entrega desse protocolo seja o fim das discussões sobre a consulta”, disse. E reforçou: “Essa consulta não pode ser apenas para legitimar a construção desses empreendimentos na nossa terra. Queremos que seja respeitada a nossa decisão, e em hipótese alguma queremos a usina São Luiz do Tapajós, porque a construção desse empreendimento significa a morte, tanto para os Munduruku quanto para os ribeirinhos que habitam essa região”.
O ministro Rosseto recebeu o documento e um outro protocolo feito por ribeirinhos do assentamento Montanha e Mangabal, área também diretamente atingida pelo projeto da usina. “Cacique Juarez, a representação dos ribeirinhos, vocês fazem parte da nação brasileira e são portadores de direitos e vocês falaram sobre isso, sobre direitos que a nossa constituição assegura e é nossa responsabilidade de governo assegurar esses direitos. É minha responsabilidade como ministro de Estado trabalhar nessa direção, apoiar, participar com meus colegas de governo nesse caso especialmente a Funai e o Ministério da Justiça, que têm a responsabilidade legal para traduzir a Constituição brasileira e portanto assegurar esse direito”, afirmou.
Posição da Funai
Durante a visita a Brasília, os Munduruku também estiveram em reunião com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Flávio Braz. Ele foi cobrado pela recusa em publicar o Relatório Circunstanciado de Identificação de Delimitação (RCID), já objeto de ação judicial do MPF. Ele não se comprometeu com a publicação. Afirmou que precisa ouvir outros órgãos governamentais e pode concluir a consulta até o final de 2015. “Os outros órgãos de governo que também tem interesse naquela área, principalmente em razão da hidrelétrica e em razão da Flona (floresta nacional para exploração madeireira), pediram para se manifestar no processo”, disse.

A demarcação do território que agora o governo quer alagar começou há 13 anos. Em 2013, os trabalhos de campo para delimitação foram concluídos e foi elaborado RCID, cuja publicação no Diário Oficial dá início ao processo de demarcação. Mas o governo federal ordenou a paralisação do processo, sem a publicação do relatório.
O presidente da Funai foi refutado pelo procurador da República Camões Boaventura, que acompanhou a reunião. “Só pode haver contestação, seja de particulares, seja de outros órgãos interessados no território, após a publicação do RCID, isso está definido em lei. É isso que os Munduruku e o Ministério Público Federal estão cobrando do governo, o cumprimento do rito de demarcação”, reforçou.
Maria Augusta Assirati, ex- presidenta interina da Funai, disse em recente entrevista à Agência Pública que o estopim para deixar o cargo, o que ocorreu em outubro de 2014, foi uma manobra para licenciar a usina de São Luiz do Tapajós. Depois de analisar o caso e se comprometer com os indígenas a publicar o relatório que delimita a terra, Assirati argumenta que foi obrigada a voltar atrás : “Nós tivemos que descumprir esse compromisso em razão da prioridade que o governo deu ao empreendimento. Isso é grave”.
Luta pelo território
Os Munduruku viajaram durante quatro dias, do Pará a Brasília, para o “valor maior” do acesso aos territórios tradicionais. “A terra pra nós significa a garantia da nossa existência enquanto seres humanos, enquanto indígenas. Pra nós a terra não é vista apenas como um instrumento para enriquecimento. Nós queremos a terra pra sobreviver, pra existir enquanto seres humanos. Queremos que respeitem nosso modo de vida, porque muitas vezes o poder econômico não entende dessa forma, entende que nós somos apenas um entrave para o desenvolvimento econômico do Brasil. Muitas vezes já foi alegado que a construção de hidrelétricas é algo necessário porque o Brasil precisa de energia. E quer dizer então que nossas vidas enquanto seres humanos não tem significado?”, questionou Ademir Munduruku.

O documento entregue ao governo federal faz referência à demarcação da Terra Indígena (TI) Sawré Muybu, região do Médio Tapajós que abrange os municípios de Itaituba e Trairão, no Pará. O conteúdo do protocolo veio sendo discutido pelos Munduruku ao longo de 2014. A elaboração contou com a assessoria do Ministério Público Federal (MPF) no Pará e de organizações da sociedade civil.
“A FASE Amazônia, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Greenpeace Brasil e o Movimento Xingu Vivo, todos integrantes da rede Projeto Convenção 169, mais um conjunto de pessoas comprometidas com as causas do povo Munduruku, deram efetivo apoio à caravana indígena que se dirigiu a Brasília para apresentar a diversas autoridades suas reivindicações. A FASE Amazônia, em particular, considera a iniciativa importantíssima para demonstrar a disposição dos Munduruku de lutar por seus direitos”, destacou Guilherme Carvalho, da FASE.
* Com informações do Cimi e do MPF do Pará.