06/09/2008 12:01

Fausto Oliveira

A atualidade do pensamento e das denúncias feitas por Josué de Castro ao longo de sua vida (1908-1973) é plenamente reconhecida por movimentos sociais e organizações civis dos dias de hoje. Um exemplo claríssimo é o conjunto de entidades que promove no Brasil dos anos 2000 a luta pelo direito humano à alimentação. Traduzida ao contexto dos nossos dias, a fome, tal como era entendida por Josué de Castro, teve seu conceito ainda mais expandido do que o fez o próprio pensador pernambucano. Em sua época ele desnaturalizou a fome e a explicou como fenômeno sócio-econômico. Hoje, o trabalho deste grande movimento é lutar pela garantia da segurança alimentar e nutricional, o que envolve aspectos e perspectivas próprios das complexas relações do mundo contemporâneo.

O debate sobre produção e distribuição de alimentos no Brasil de hoje – o mesmo vale para o mundo – está inscrito em complexas redes de questões. Em que medida o plantio de transgênicos pode ser considerado como agricultura? Como o uso de terras para produção de combustíveis compromete o direito de todos à alimentação? Quais os efeitos das vastas monoculturas de soja e eucalipto sobre o solo e os recursos hídricos? Com o uso intenso de agrotóxicos na agricultura empresarial, ainda é possível falarmos em alimentação sem contaminação? Será que a industrialização excessiva do alimento não prejudica a integridade nutricional do que nós comemos? Estas e outras várias questões se colocam para a sociedade brasileira hoje. Discutir a segurança alimentar e nutricional é discutir o modelo de desenvolvimento do país, o modelo de uso da terra e da água, o modelo de produção, distribuição e consumo de alimentos.

Na opinião de Maria Emília Pacheco, assessora da Fase e integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o debate desse conjunto de problemas deve revisitar a obra de Josué de Castro. “A idéia dele hoje está atualizada e complexificada. Quando hoje falamos no direito à alimentação, falamos em alimentação adequada e saudável, dizendo que não é suficiente pensar na quantidade do alimento, mas em sua qualidade e em suas referências culturais. Só assim se pode garantir uma cidadania alimentar É muito significativo que hoje o sentido do direito à alimentação seja mais difundido na sociedade. Os movimentos sociais, a meu ver especialmente os do campo, recolocaram essa discussão”, diz ela.

Em entrevista ao Fase Notícias acerca do centenário de Josué de Castro, Maria Emília também quis deixar sua homenagem. Ela afirmou que “É inegável sua referência histórica, foi uma fala do Brasil para o mundo. Na minha compreensão, o Josué de Castro tem uma importância tão grande em matéria do direito à alimentação como o Paulo Freire na luta pelo direito à educação e a importância de uma educação comprometida”.

E chamou o campo político das ONGs e movimentos sociais a reler a obra do pensador. “Apesar de as condições de fome e desnutrição no Brasil terem mudado desde a época de Josué de Castro até hoje, o fato é que se olharmos a situação do país sob a ótica da segurança alimentar e nutricional, vamos perceber que a obra dele é ainda muito atual. As organizações não governamentais e movimentos sociais devem voltar a Josué de Castro e usar suas obras em seus processos de formação política. É uma forma de engrandecer a luta pelo direito humano à alimentação no Brasil”, concluiu.