03/09/2008 12:25
Ao doarem suas terras espiritualmente a Nossa Senhora, mal sabiam os índios Trukás que estariam decidindo o futuro de toda a ilha fluvial de Assunção, no sertão de Pernambuco. A partir do raciocínio de que as “posses” de Nossa Senhora tinham como representante legal o Bispo da região, é que a antiga instituição da Igreja se sentiu no direito de lavrar a primeira escritura de compra e venda da área, em 1920.
E assim começou um longo período de conflitos, na crescente tentativa de expulsão dos índios das terras de quase seis mil hectares, localizadas no arquipélago de Assunção, às margens do rio São Francisco. O assassinato de um dos líderes indígenas em agosto desse ano reacendeu a disputa, que agora não é apenas pelo território, mas contra todos os defensores dos direitos humanos. Os Trukás acumulam mais de 70 anos de organização e de luta para a desejada efetivação da área de onde provem, desde 1722, seu sustento, sua cultura, sua identidade e sua garantia à vida.
A Plataforma DhESCA Brasil, rede nacional de entidades de direitos humanos, esteve na região do povo Truká, no município de Cabrobó em julho de 2006, em missão com três de suas Relatorias para investigar denúncias de violação dos direitos humanos e potenciais riscos decorrentes do projeto de transposição do Rio São Francisco. Já na época, os relatores da rede denunciaram que o Povo Truká era vítima de constantes violações de direitos humanos.
Execução Sumária de líder Truká é um crime contra os defensores de direitos humanos
A discussão sobre o povo Truká voltou à tona com o assassinato do líder indígena Mozeni Araújo (36), no dia 23 de agosto deste ano, morto por um pistoleiro na frente de seu filho e de vários outros índios. Agricultor e militante pela defesa de seu povo, Mozeni empenhou-se no processo de expulsão dos invasores do território tradicional Truká, em 1994. Pelo seu perfil ponderado, era ele considerado o “facilitador” nos momentos de conflito.
Mozeni também era a principal testemunha de outro crime cometido contra os Truká: em 30 de junho de 2005 o líder Dena e seu filho Jorge (17 anos) foram assassinados por quatro policiais militares. Mozeni foi um que sempre denunciou a perseguição contra os Trukás. Para o CIMI -Conselho Indigenista Missionário – que acompanha a comunidade desde a década de 80, durante esse tempo já ocorreram “torturas, seqüestros e assassinatos de indígenas, e em nenhum caso os responsáveis foram julgados e responsabilizados”, afirmou o secretário adjunto Saulo Feitosa. O relator da ONU para Execuções Sumárias, Philip Alston, afirmou que em Pernambuco “muitos dos esquadrões da morte eram compostos por policiais” (Jornal Estado de São Paulo, de 28/05/08).
Quanto a atuação do Poder Judiciário, o relatório da Plataforma DhESCA Brasil de 2006 relata que “ persiste a omissão estatal em relação aos povos indígenas, que se repete contra o Povo Truká, da mesma forma que acontece em outras regiões do País”. Os relatores receberam a denúncia da prática repetitiva de atos discriminatórios contra os indígenas também por parte do Ministério Público no município de Cabrobó, Pernambuco.
Para as eleições deste ano, Mozeni concorria a uma vaga de vereador na Câmara Municipal de Cabrobó, com grandes possibilidades de ser eleito. Representava não apenas a luta pela demarcação e homologação das terras dos Trukás, como também a resistência contra grandes projetos desenvolvimentistas, como a transposição do rio São Francisco.
Plataforma Dhesca Brasil se mobiliza pelos direitos dos índios Trukás
Por acreditar que a execução de Mozeni foi um crime que atinge um defensor de Direitos Humanos, a Plataforma DhESCA Brasil decidiu enviar um pedido de esclarecimentos a vários órgãos do poder público e também uma solicitação de ajuda à ONU. Para a Organização das Nações Unidas o ofício foi enviado aos Relatores Especiais de Questões Indígenas e de Execuções Sumárias. No governo brasileiro receberam o documento a SEDH (Secretaria Especial de Direitos Humanos), o Ministério Público Federal, as Comissões de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a Presidência da FUNAI e o Governador de Pernambuco, dentre outras autoridades do estado.
A Secretaria Especial de Direitos Humanos, que coordena o Programa Nacional aos Defensores de Direitos Humanos, recebeu um pedido de esclarecimento sobre a falta de proteção à vida de Mozeni e de outras lideranças. Importante ressaltar que Pernambuco é um dos poucos estados brasileiros a possuir um programa de proteção, fato este que, infelizmente, não garantiu a segurança do líder Truká.
- Os principais pontos do Relatório da Plataforma Dhesca Brasil sobre o povo Truká estão disponíveis por link pelo site www.dhescbrasil.org.br. O documento foi desenvolvido pelas Relatorias Nacionais em Dhesca (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), com a participação das Relatorias para os Direitos Humanos ao Meio Ambiente, à Alimentação Adequada, à Água e Terra Rural e ao Trabalho.
- A história do povo Truká está disponível no site da UFPE, no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade, pelo link http://www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/truka.htm