Rebecka Santos
05/04/2024 17:03

Em meio à crescente especulação imobiliária e às frequentes remoções nas periferias do Recife, a Comunidade das Flores se destaca como um exemplo de resistência e organização popular na luta pelo direito à moradia digna e o combate ao racismo ambiental. Localizada no bairro de Afogados, Zona Oeste da capital pernambucana, a comunidade existe há mais de 30 anos, na beira do Rio Capibaribe, e se caracteriza pelo forte engajamento de seus moradores na defesa de seus direitos.

O senso de unidade e pertencimento aflorou quando a Prefeitura do Recife ameaçou aproximadamente 40 famílias de despejo, com o pretexto de realizar uma obra de revitalização do Canal do ABC e abertura de uma rua para desafogar o trânsito da região. Em 2022, com a assessoria do mandato do vereador Ivan Moraes, o Coletivo Flores Resiste teve acesso ao projeto executivo a fim de analisar possibilidades que impedissem a remoção dessas famílias. Um estudo técnico demonstrou que era possível continuar com a obra sem a necessidade de despejo da comunidade.

Após atos públicos, diversas reuniões no território, audiências públicas na Autarquia de Urbanização do Recife – URB/Prefeitura do Recife e na Câmara de Vereadores, o novo projeto foi proposto, aceito pelo poder público e as obras foram iniciadas em 2023. Uma conquista que veio de mãos dadas com outra: o novo projeto também contempla um parque infantil em uma área que ficaria ociosa. Um equipamento de lazer, mas também uma ótima ferramenta para discutir a preservação do Braço Morto do Rio Capibaribe.

Uma história que está nas lembranças de Joana*, uma criança da comunidade que para sempre terá como marco da sua infância a luta da sua mãe e dos seus vizinhos para não perderem suas casas. “Minha mãe lutou muito, muito, muito. De manhã e de noite ela ficou lá lutando, dizendo “não derrubem nossas casas”. Ganhou a favela toda, para as pessoas morarem nas suas casas. Assim foi minha história”, disse a menina de 07 anos.

Como exemplo de governança popular, um dos pilares do direito à cidade, a Comunidade das Flores passou a integrar os projetos Direito à cidade: resistindo e enfrentando as desigualdades no Recife (PE) e Fortalecendo Mulheres e suas Práticas Coletivas de Direito à Cidade, geridos pela FASE Pernambuco e apoiados pela OAK Foundation e Misereor, respectivamente. A parceria desenvolverá atividades para o uso e a ocupação da área ribeirinha de Área de Preservação Permanente (APP), com oficinas para ampliação das compreensões sobre as áreas ribeirinhas e elaboração de diretrizes urbanísticas, além de intervenções de requalificação ambiental e paisagística com a implantação de uma horta comunitária – esta última em parceria com a URB, que fez a limpeza do local para receber esse espaço coletivo de produção de alimentos.

No mês que comemoramos o Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas, em março, um grupo representativo da comunidade se reuniu pela primeira vez na sede da FASE Pernambuco para discutir com o educador André Araripe sobre o histórico da configuração físico-ambiental, e das formas de uso e ocupação das margens dos cursos d’água da comunidade; bem como a legislação urbanística e ambiental referente às áreas ribeirinhas, a diretriz da Cidade Parque e o Parque Capibaribe; entre outros.

Priscilla Santos, moradora das Flores, destacou sua surpresa sobre os mapas da configuração da cidade em décadas passadas e como o adensamento populacional foi sufocando os fluxos das águas, transformando a cidade em um lugar propenso a alagamentos e enchentes. Também falou da relação com a FASE. “A FASE traz alternativas ao modelo de desenvolvimento, das políticas públicas, por meio de novas práticas de controle e da participação social, para a melhoria das nossas vidas”.

No último dia 06, a comunidade se reuniu para iniciar a sua horta urbana. Crianças, adolescentes, adultos e idosos colocaram a mão na massa para tirar pedras do terreno, construir cerca, fazer canteiros e plantar as primeiras mudas. A educadora Sarah Vidal mediou o processo junto ao educador André Araripe, que também conduziu rodas de conversa para pensar sobre os sentidos e saberes acerca de uma horta comunitária e como a agricultura urbana e periurbana pode garantir soberania e segurança alimentar, e promover a justiça socioambiental. Com a participação de outras comunidades que compõem o projeto Fortalecendo Mulheres e suas Práticas Coletivas de Direito à Cidade, o encontro também se configurou como um intercâmbio, onde mulheres que já implantaram horta comunitária em seus territórios compartilharam sobre os benefícios, desafios e dicas de manutenção.

*Para garantir sua segurança, o nome da criança foi trocado para Joana.

*Comunicadora FASE Pernambuco