14/02/2023 09:00

*Paula Schitine e Claudio Nogueira

Comunidades tradicionais da região de Santarém, no oeste do Pará discutiram com a Frente Brasileira contro o Acordo UE-Mercosul os impactos negativos da expansão da fronteira agropecuária na Amazônia, com foco nos efeitos da implantação de infraestruturas logísticas operadas pelos cinco maiores traders globais (ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus Company).

Reunião com lideranças de comunidades de Santarém, no oeste do Pará. Foto: Paula Schitine

Para fortalecer o debate e encaminhar denúncias feitas in loco, a Frente realizou uma Conferência Internacional dividida em duas partes. A primeira foi uma visita de campo onde jornalistas, observadores internacionais e representantes da socieidade civil organizada  puderam ouvir relatos das comunidades sobre os prejuízos produção de soja e milho nos territórios e sua cadeia logística no Oeste do Pará, assim como visibilizar os conflitos socioambientais já existentes no território.

Maureen Santos (centro) media painel do Seminário que vai resultar num relatório para o Parlamento Europeu. Foto: Claudio Nogueira.

“A visita vai gerar um relatório para apoiar a incidência dos europarlamentares na reunião do INTA-PE, prevista para maio de 2023; e dos representantes do Parlasul na reunião da CELAC, prevista para julho de 2023.”, explica Maureen Santos, coordenarora da FASE e integrante da Frente e moderadora dos debates.

A segunda parte da conferência foi dedicada a um Seminário com a participação de membros do governo e parlamentares brasileiros, deputados europeus e latino-americanos, além de diferentes membros da sociedade civil brasileira e latino-americana.

O Seminário resulta do trabalho de aproximação e diálogo realizado pela Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA com eurodeputados ao longo dos últimos dois anos. E tmbém contribui para a construção de uma Frente Parlamentar Transatlântica Mercosul-UE,cuja criação vem sendo articulada por intermédio de europarlamentares e latino-americanos.

Retomada de Direitos e Comércio Exterior

Transparência e participação foram os principais destaques do primeiro dia de diálogos no Seminário “A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional”, em Brasília. Durante o Painel I, “Por que o Acordo UE-Mercosul precisa ser revisitado e discutido com a sociedade?”, mediado por Maureen Santos, houve diversas intervenções de representantes de movimentos populares evidenciando a falta de debate com as organizações sociais, e o quanto a implantação dos acordos pode impactar negativamente no desenvolvimento sustentável do Brasil, particularmente em territórios e comunidades tradicionais, em três vertentes: econômica, social e ambiental.

Um dos destaques foi a intervenção de Kerexu Guarani, representante da APIB, que ressaltou como houve aumento das invasões, queimadas, assassinatos de lideranças, com o avanço do agronegócio e do garimpo ilegal (não só nas terras Ianomami, mas em vários outros territórios. “Queremos rever o Acordo, que seja construído com nossa participação, em consonância com a Convenção 169 da OIT, que nos garante consulta prévia livre e informada0”, ressalta.

Deputado do Parlasul, Ricardo Canese fala sobre a desproporção de forças entre os blocos no Acordo UE-Mercosul. Foto: Claudio Nogueira.

Parlamentares latinoamericanos falaram sobre a importância de um diálogo proporcional entre os blocos União Europeia e Mercosul. “Temos que falar das assimetrias. Não se pode pensar em integração do elefante (União Europeia) com a formiga (Mercosul). Se a formiga pisa no elefante, nada acontece. Se o elefante a pisa, acaba com a formiga”, comparou o deputado paraguaio do Parlasul, Ricardo Canese.

Em resposta, o embaixador Michel Arslanian Neto esclareceu que o novo governo pretende realizar um seminário sobre acordos internacionais, e que todos os textos relativos ao Acordo entre União Europeia e Mercosul estarão em breve disponíveis em português no site do Itamaraty. Ao final do painel, uma comitiva de representantes da Frente foi recebida para uma conversa com o chanceler Mauro Vieira.

Parlamentares brasileiros contra o Acordo

Parlamentares brasieiro (dir.para esq.) Duda Salabert, Nilto Tatto, Célia Xacriabá e Fernanda Melchionna criticam o Acordo. Foto: Tiago Rodrigues.

O segundo dia do Seminário concentrou o debate sobre as perspectivas e os desafios em relação ao tratado comercial. Parlamentares brasieleiros: Fernanda Melchionna, Célia Xacriabá, Nilto Tatto e Duda Salabert e o eurodeputado Miguel Urban se posicionaram sobre o Acordo. Representantes de sindicatos e organizações sociais brasileiros e europeus apontaram suas preocupações em relação a temas específicos do tratado como energia, clima, expansão da fronteira agrícola, agricultura familiar e lobby das empresas, entre outros. Também estavam presentes Tom Kuchartz do observatório espanhol Ecologistas en Acción, representantes do grupo Agro é Fogo, CONAQ e IPT – Oficial

Ao final do painel, uma comitiva de representantes da Frente foi recebida para uma conversa com o chanceler Mauro Vieira.

O deputado federal, Guilherme Boulos, em encontro com delegados da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE/EFTA no Congresso demonstrou um “compromisso total” da bancada do PSOL com o combate ao acordo comercial.

Deputado (PSOL) Guilherme Boulos (centro) repudia o Acordo. Foto: Tiago Rodrigues

Ele criticou os impactos econômicos, ambientais e sociais que o Acordo poderia ter “ao estimular ainda mais o agronegócio predatório e o processo de primarização da economia”. Ele adverte que o Acordo pode contribuir para a desindustrialização do Brasil e comprometer os direitos da classe trabalhadora tanto na América Latina quanto na Europa. “Temos que discutir o modelo de desenvolvimento porque os povos indígenas, por exemplo, defendem outro modelo que conviva com o meio ambiente”, acrescentou.

A bancada petista também compartilhou as preocupações expressas pelas organizações sindicais, camponesas, indígenas e sociais do Brasil, América Latina e Europa sobre os impactos do acordo UE-Mercosul. “A falta de transparência e participação no acordo comercial UE-Mercosul é inaceitável para o PT”, disse em comunicado.

A Conferência foi realizada por FASE, Amigos da Terra Brasil, REBRIP, Internacional dos Serviços Públicos, Rede Jubileu Sul e Contraf Brasil. Conta com o apoio da Misereor e da HEKS.

*Claudio Nogueira e Paula Schitine são jornalistas da comunicaçao da FASE.

**A Frente Brasileira Contra os Acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul tem coordenação executiva composta por: FASE, Amigos da Terra, INESC, Jubileu Sul, Contraf Brasil e conta com apoios de Misereor e Heks.