03/12/2014 18:38

Gilka Resende, do Rio de Janeiro (RJ)**

10153942_1567963283436186_347578068778540184_nA Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 20) está ocorrendo em Lima. Esse processo oficial será atravessado por uma mobilização da sociedade civil: a Cúpula dos Povos frente às Mudanças Climáticas, que acontecerá de 8 a 11 de dezembro. “Mudemos o sistema, não o clima!” é o lema do evento promovido por redes, organizações e movimentos sociais. Em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, ocorrerá a Marcha Global dos Povos em Defesa da Mãe Terra, estando prevista a participação de 10 mil pessoas.

De acordo com seus organizadores, a Cúpula dos Povos não é anti-COP, mas tem uma visão crítica e visa promover debates mais amplos sobre as causas das mudanças climáticas e as soluções propostas pelos povos. Trata-se de um espaço autônomo, livre, democrático e horizontal. As atividades estarão divididas em sete eixos temáticos: mudança civilizatória e modelo de desenvolvimento; aquecimento global e mudanças climáticas; energia e desenvolvimento de baixo carbono; agricultura, segurança e soberania alimentar; gestão sustentável de territórios e de seus recursos; financiamento, transferência de tecnologia e inter-aprendizagens; e mulheres e sustentabilidade da vida.

É a primeira vez que uma COP do Clima acontece no bioma Amazônia. Jorge Prado Sumari, da Confederação Campesina do Peru (CCP), reforça que esse será um momento de mostrar outra visão de desenvolvimento. “É um desafio dos povos originários grifar que deles não somente vem a batata, o milho ou a quinoa, mas também uma ética e uma cultura que nos enraíza à Pacha Mama [Mãe Terra]. Nós nos consideramos parte de Pacha Mama. Por isso, o que ocorre nela inevitavelmente repercute na vida do ser humano e em tudo que é vida. Nesse cenário, o que está mesmo em jogo é a vida”, destacou ele, que faz parte da organização da Cúpula.

COP Lima: antessala da COP Paris

Abertura da COP 20, com a presença do presidente peruano Ollanta Humala (Foto: Presidência Peru)

Abertura da COP 20 na presença do presidente peruano Ollanta Humala (Foto: Presidência Peru)

A COP 20 começou na segunda-feira (1º), reunindo mais de 10 mil delegados de 195 países, e suas atividades vão até dia 12 de dezembro. Do evento poderá sair o “rascunho zero” de um novo acordo multilateral [feito entre vários países] sobre cortes na emissão de gases de efeito estufa. Esse tratado, a ser assinado no ano que vem em Paris, entraria em vigor a partir de 2020, em substituição ao Protocolo de Kyoto. Além da desigualdade entre países, em que grandes potências levam vantagem nas negociações, organizações e movimentos sociais criticam a proposição de saídas de mercado para a crise climática.

Maxime Combes, representante do Grupo de Enlace Paris 2015, não acredita em um “acordo justo e ambicioso”. “É importante dizer isso, já que há muitas implicações com relação as nossas estratégias. Se ocorrer um acordo em Paris, ele não será vinculante porque os Estado Unidos não querem”, avalia. E completa: “[Barack] Obama disse que prefere um método em que cada país estabelece seus próprios compromissos de maneira unilateral. Se ocorrer um acordo, ele terá muitas falsas soluções [para a crise climática] e teremos que lutar muito”.

Diante da situação desfavorável aos que defendem mudanças reais para resfriar o planeta, o que fazer com relação ao terreno na ONU? “Abandonar ou reconhecer que a maioria das batalhas nesse espaço são batalhas defensivas? Temos que lutar contra a expansão dos mecanismos de mercado de carbono, lutar contra o domínio dos países desenvolvidos, contra a dominação das transnacionais”, responde Maxime.

As consequências do superaquecimento do planeta já são realidade: aumento de ondas de calor, desastres ambientais, longas secas, dentre outras. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) publicou recentemente, às vésperas da COP 20, um novo relatório. Segundo o documento, caso não ocorra queda de emissões de gases de efeito estufa, até o final do século o aumento de temperatura no mundo poderá variar de 3,6º C a 4,8º C. Isso implicaria em mais riscos de falta d’água, alimentos e na extinção de espécies. A meta apontada para diminuir esses efeitos seria limitar esse crescimento a 2ºC.

Economia Verde e suas falsas soluções

"Agricultura, soberania e segurança alimentar" é um dos eixos temáticos da Cúpula (Foto: Cumbre/Facebook)

“Agricultura, soberania e segurança alimentar” é um dos eixos temáticos da Cúpula (Foto: Cumbre/Facebook)

Se existe mais consensos sobre o diagnóstico em relação às consequências do superaquecimento global, as saídas para o problema apontadas pelas convenções da ONU são rechaçadas por entidades da sociedade civil organizada. O mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Reed) e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), calcados na chamada Economia Verde, são tidos como “falsas soluções”.

Letícia Tura, diretora executiva da FASE, destaca que as populações que mais sofrem com os efeitos das mudanças climáticas são as mesmas impactadas pela ampliação dos mercados de carbono, que geram mais cobiça em torno de seus territórios. Regiões ricas em biodiversidade acabam se traduzindo em depósitos de CO2 a serem negociados no mercado financeiro, uma estratégia de compensação para poluir em outras regiões. “O foco dos debates sobre a queima dos combustíveis fósseis [como petróleo e gás], maior responsável pela crise climática, acaba sendo transferido para o tema ‘florestas’”, aponta.

Iridiani Seibert, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), conta que, além das matas, a agricultura também tem interessado aos mecanismos de mercado. Ela critica o sistema chamado “agricultura climaticamente inteligente”, que tem espaço na COP 20. “Para nós é mais do mesmo. É reforçar a agricultura do transgênico, do monocultivo para a produção de agrocombustíveis”, repudia.

Em recente comunicado, a Via Campesina, da qual o MMC faz parte, destacou que o Banco Mundial é um dos atores por trás da proposta. “A agricultura climaticamente inteligente começa com a decepção de não diferenciar entre os efeitos negativos da agricultura industrial e as soluções reais da agricultura camponesa e tradicional, que tem contribuído para a redução da pobreza, a superação da fome e para diminuir a mudança climática”, diz trecho.

Responsabilidades históricas

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Clique e leia o documento (português, espanhol e inglês).

Na conferência do ano passado, realizada pela ONU na Polônia, o pacote de decisões determinou a não possibilidade de contabilizar créditos de Reed para fins de compensação até 2020. Agora cresce a pressão pela ampliação dos atuais mercados de carbono, e até mesmo pela inclusão de novos mecanismos nesse sentido. Diante da situação, o Grupo Carta de Belém, que reúne diversos movimentos e entidades, inclusive a FASE, defende que no novo acordo essa posição seja mantida de forma integral, rejeitando quaisquer tentativas de introduzir as florestas em mecanismos de pagamento por reduções que gerem créditos de carbono.

“Rechaçamos o que tem acontecido nas COPs do Clima e nas de Biodiversidade. Há uma relação grande entre esses dois processos. Essas COPs estão capturadas por interesses privados, com forte presença de transnacionais. Há mecanismos de mercado ao contrário de se construir mecanismos em que os países do Norte efetivamente reduzam suas metas de emissão”, comenta Letícia.

Em documento divulgado nessa semana, o Grupo Carta de Belém destaca que as emissões de países como o Brasil geram a necessidade urgente de discutir o modelo de desenvolvimento. Entretanto, defende que a centralidade do debate na COP esteja no “princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, e que se reconheça as dívidas históricas dos países do Norte. Neste aspecto, o grupo considerou relevante a metodologia brasileira recém-apresentada, que diferencia os emergentes – como o próprio Brasil, China e África do Sul – dos países mais pobres.

Luta para além das COPs

Maxime destacou dinâmicas para enfrentar as causas estruturais das mudanças climáticas: deter a expansão da indústria extrativista e a frear a construção de grandes infraestruturas para a exploração de petróleo, entre outros bens naturais. Além disso, criar condições para que os povos continuem desenvolvendo as suas soluções para resfriar o planeta. “Assim podemos nos fortalecer agora, antes e depois de Paris”, avalia.

Ato pré-cúpula em Lima. (Foto: Cumbre/Facebook)

Ato pré-cúpula em Lima. (Foto: Cumbre/Facebook)

Ivan Gonzalez, da Central Sindical das Américas (CSA), lembrou que a América Latina possui diversas experiências e lutas de movimentos sociais, sindicais, indígenas e campesinos nesse sentido. “Temos muito a dizer”, afirmou. Ressaltou que sua entidade contará em Lima com a Plataforma de Desenvolvimento das Américas, instrumento de mobilização e luta sindical. Entre outras pautas, citou a questão do “trabalho digno”  como uma que tem aproximado categorias trabalhistas  dos debates ambientais sobre o desenvolvimento.

Já Martha Flores, da Rede Jubileu Sul Américas, acrescentou que “não há como fazer o debate sem questionar o modelo capitalista”. “[Mercados de carbono] são falsas soluções para nós. Para eles, são reais soluções. O negócio está saindo de forma perfeita para eles, porque essa é uma forma de seguir mantendo a reprodução do capital”, avaliou. E concluiu: “A própria resistência dos povos já é uma resposta [a essa realidade]”.

*Essa matéria foi feita a partir das reflexões do Seminário Preparatório COP 20 e 21, realizado no Rio de Janeiro nos dias 30 e 31 de outubro, pelo Grupo Carta de Belém, pela Via Campesina e pela CUT.

*Jornalista da FASE.