Suzana Devulsky e Yuri Rodrigues
31/07/2024 14:19
Criado em 2021, o Projeto Telas em Rede tem o objetivo de potencializar as vozes das periferias da região amazônica por meio da comunicação popular a partir da sua democratização como ferramenta de luta e defesa territorial na região do Baixo Tapajós. Tendo finalizado sua terceira edição em junho deste ano, o projeto mantém conexões em mais de quatro territórios no município de Santarém (baixo tapajós), entre eles Territórios indígenas, assentamentos agroextrativistas e bairros periféricos, e já impactou mais de 100 jovens.
O Telas em Rede busca, em cada edição, apresentar novas abordagens para democratizar o acesso à comunicação e ao audiovisual. Em sua primeira edição (2021), “Conectando juventudes e ancestralidades no Baixo Tapajós”, foram realizadas duas vivências sobre audiovisual, uma na Aldeia Vista Alegre do Capixauã (Resex Tapajós Arapiuns) e outra na comunidade Vila Brasil (PAE Lago Grande), município de Santarém. Já a segunda edição (2023), “Tecendo a Comunicação Popular nas Periferias da Amazônia”, ampliou as lutas da floresta e do campo e unificou as lutas das periferias urbanas, fortalecendo os laços das comunidades e juventudes por meio de formações em comunicação popular, trocas de experiência e da realização de um festival cultural das periferias de Santarém.
Agora em 2024, sua terceira edição trouxe o tema “Fortalecendo narrativas Antirracistas e Afrocentradas na Amazônia” e focou no protagonismo negro amazônida, potencializando e visibilizando os coletivos negros santarenos, explorando as formas de utilização das redes sociais como ferramenta de luta. Marcos Batista, comunicador popular do Telas em Rede, explicou a importância do projeto:
“Essa formação vem para democratizar o acesso às redes sociais e o acesso à criação de conteúdo digital. E as redes sociais estão aí para aflorar a criatividade, estabelecer conexões com outras pessoas e coletivos. E por isso é tão importante a gente entender como as redes sociais funcionam e como é que a comunicação digital se implementa na vida da gente cotidianamente.”
Esta edição conta com seis formações organizadas em dois módulos: comunicação antirracista e afrocentrada e comunicação digital. A principal novidade é a ampliação das perspectivas, trazendo referências positivas das identidades, cultura e experiências afro diaspóricas e afro amazônidas para o centro do debate e das criações de narrativas contra hegemônicas. Espera-se, assim, que os participantes possam se enxergar como protagonistas de suas histórias e assumam o controle sobre suas narrativas. Para Andressa Sousa, a educadora popular do projeto, os temas abordados são fundamentais para o fortalecimento dos coletivos.
“Enquanto ativista do movimento negro, fiquei muito feliz e animada com a temática do Telas em Rede de 2024, primeiro porque acredito que há muito a necessidade de visibilizar e se discutir as questões da amazônida negra na cidade de Santarém, e segundo trazer a comunicação como uma ferramenta para dentro dos coletivos que atuam na cidade como forma de potencializar suas narrativas e de seus territórios. Os coletivos negros são os primeiros espaços em que pessoas negras, que estão inseridas numa consciência política ou não, tem seus primeiros contatos e trocas de letramento racial, de afetos e luta coletiva. Partir de um conhecimento centrado nas suas próprias experiências e posicionalidade, coletivas e individuais, tendo acesso a ferramentas como a comunicação popular e o audiovisual, amplificar os conhecimentos, é uma troca extremamente potente, energizante.”
A primeira vivência aconteceu nos dias 04 a 11 de maio, discutindo a comunicação ancestral a partir da memória, oralidade e o ensino-aprendizagem com os mais velhos. Foram apresentadas referências na cultura africana e afro diaspórica enquanto perspectiva e tecnologia comunicadora, além de um debate sobre a representação histórica do negro na mídia no Brasil e a comunicação antirracista como contra narrativa.
Já o segundo módulo, realizado nos dias 17 a 19 de junho, tratou de comunicação digital, especialmente em relação ao funcionamento das ferramentas das redes sociais e como aliá-las às dinâmicas de atuação dos coletivos, utilizando-se diversas linguagens. O objetivo era preparar os participantes dos coletivos para produção textual, produção gráfica ou audiovisual.
A formação finalizou com a criação de uma campanha com duração de quatro meses, indo até novembro. A campanha foi pensada com a intenção de incentivar os coletivos na criação de um calendário de publicação coletiva de conteúdos, bem como para promover a conexão entre os mesmos, já que estão em uma mesma instituição de ensino e enfrentam diversos desafios para reafirmar as suas atuações.
Participam do projeto o Movimento Negro Unificado (MNU), o Coletivo de Estudantes Quilombolas (CEQ/UFOPA), o Coletivo de Estudantes Negros Alessandra Caripuna e o AFROLIQ – Grupo de Pesquisa em Literatura, História e Cultura africana, Afro-amazônica e Quilombola do ICED/UFOPA.
A FASE Amazônia, representada pelo educador Yuri Rodrigues, participou da construção da metodologia das oficinas e das dinâmicas de ensino, ao lado dos comunicadores e educadores populares João Albuquerque, Bruno Vasconcelos, Andressa Sousa, Vanessa Campos e Marcos Batista, que buscaram juntos olhar para a comunicação como resistência e existência da população negra na Amazônia e no Brasil. Yuri Rodrigues contou um pouco sobre a parceria entre a FASE e o Telas em Rede.
“A Fase tem construído essa parceria junto ao Projeto Telas em Rede, há cerca de três anos e permanece, principalmente por conduzir um importante processo de fortalecimento da comunicação e da educação popular no interior da Amazônia ao articular a juventude das periferias urbanas e dos territórios rurais de Santarém e também por promover debates que criam autonomia e processos emancipatórios a partir de relações de pertencimento, identidade, território para enfrentar as violações de direitos humanos e o racismo estrutural e ambiental na região”
A formação social do Brasil e a construção da identidade nacional, utilizou em grande escala a mídia enquanto ferramenta de violências e de produção e reprodução do imaginário de pessoas negras e indígenas de forma negativa. Em contrapartida, ao olhar a comunicação e as mídias como instrumentos de representação e criação de imaginários, tona-se possível usá-las para desconstruir, desnaturalizar essas percepções. Ou seja, como um importante canal de transformação social e de realidades. Utilizar as mídias para falar de antirracismo e afrocentramento é a estratégia encontrada pelo Telas em Rede para usar o sistema contra ele mesmo.
Nessa caminhada, o projeto Telas em Rede tem construído suas ações juntamente com organizações que tem histórico e reconhecimento de atuação na defesa da região, como a Fase Amazônia, Kitanda Preta, Movimento Negro Unificado (MNU), Associação do Moradores do Bairro Pérola do Maicá (AMBAPEM), Guardiões do Bem Viver e Negrices Caripuna.
*Comunicadora da FASE e Educador da FASE Amazônia