12/12/2019 12:58
Rosilene Miliotti¹
A 25º Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP25), realizada de 2 a 13 de dezembro em Madri, na Espanha², adotou o slogan “Hora da Ação”. Desde 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris, as conferências do clima anuais têm se dedicado a como colocá-lo em prática. Tendo em conta seu compromisso com a justiça ambiental e a defesa da soberania dos territórios, neste contexto de avanço do autoritarismo na América Latina, e em especial por parte do governo de Jair Bolsonaro, a FASE participou desta COP25 e da “Cumbre Social del Clima”, espaço alternativo organizado pela sociedade civil.
Letícia Rangel Tura, diretora executiva da FASE e membro do Grupo Carta de Belém (GCB) junto a outros representantes de diferentes organizações e movimentos sociais brasileiros, participam desta edição com objetivo de alertar o mundo para o avanço do desmatamento na Amazônia e a violência, além de se posicionarem contra a entrada das florestas no mercado de carbono. “Um dos objetivos dessa COP é ‘fechar o livro de regras’ do Acordo de Paris, que começa a valer a partir de 2020”, explica Letícia. Um dos grandes desafios é a conclusão da negociação sobre o Artigo 6, que se refere aos novos mecanismos de financiamento. “A grande questão que ocorre para os movimentos sociais é que através do Artigo 6 do Acordo de Paris, antigos mecanismos de mercado já superados no protocolo de Kyoto ou em negociações passadas começam a ser reeditados através de novas formas de apresentação, mas que mantém a questão da mercantilização e da financeirização da natureza, garantindo a compensação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) entre países via mercado de carbono”.
Letícia critica ainda a postura do governo brasileiro por não haver mais participação das organizações e da sociedade civil dentro da delegação brasileira de forma que efetivamente possam incidir e ter acesso às negociações. “Também estamos vendo um enfraquecimento da posição do governo brasileiro que sempre foi contrário a inserção de florestas em mercados de carbono”. Ela chama atenção ainda para as denúncias que têm sido feitas durante o evento. “Os processos de desconstrução e retrocessos nas políticas socioambientais brasileiras de defesa e proteção dos territórios, além da criminalização dos movimentos sociais e os assassinatos de lideranças e defensores de direitos humanos, tem sido duramente criticados”. Na tarde do dia 10, Dia Internacional dos Direitos Humanos, foi lançado um manifesto sobre a democracia e o avanço do facismo no Brasil. “Esse debate não está separado e a FASE continua com essa perspectiva. Não podemos separar o debate da defesa ambiental de defesa da democracia. Mantemos a nossa perspectiva de atuação pela justiça climática”.
“A solução não está na financeirização da natureza”
O grande termo que tem avançado em Madri é a “solução baseada na natureza”, mas as organizações e movimentos sociais presentes, como o Grupo Carta de Belém, afirmam suas criticas ao mercado de carbono e a financeirização da natureza, evidenciando os impactos que essa medida gera sobre os territórios, as populações e povos tradicionais, dos indígenas, além de reduzir as obrigações dos países de efetivamente reduzir suas emissões de gases. “Essas falsas soluções baseadas na natureza reduzem a questão ambiental às emissões de carbono. Há muitas questões de fundo que precisam ser debatidas como a ampliação do uso dos agrotóxicos, a transgenia, a poluição das águas. Na verdade, o que se está construindo é uma nova racionalidade econômica que pretende financeirizar o meio ambienta e a questão climática”, alerta Letícia.
A diretora da FASE chama ainda atenção para as formas de medição e cálculo sobre esses indicadores de carbono. “Aqui estamos discutindo muito como serão construídos os indicadores para medir tudo isso? Como irão conformar commodities ambientais que serão comercializadas em bolsas de valores e outros mecanismos de mercado?”, questiona.
Cumbre Social del Clima
Além da Cúpula dos Povos de Madri, a FASE participou da Cúpula dos Povos no Chile na atividade da Coalisão Global de Florestas, grupo da qual a FASE é parte.
Caroline Rodrigues, do Grupo Carta de Belém, na Cumbre Social del Clima.
Em Madri, no dia 7, a FASE participou da atividade realizada pelo GCB sobre “Clima, terra e soberania: narrativas climáticas sobre os territórios do sul global”. No mesmo dia, a FASE junto a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o GCB, o Coletivo pelos Direitos no Brasil (Madri) e a Maloka realizaram o debate “Amazônia: direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais em defesa da vida e do bem viver”.
No dia 8, a FASE organizou um debate sobre o novo tratado de livre comércio firmado entre União Européia e Mercosul, em junho de 2019, depois de 20 anos de tentativas frustradas. A atividade foi realizada em parceria com Grupo Carta de Belém, La Vía Campesina, Ecologistas en Acción, Amigos de la Tierra, Campaña contra los Tratados de Comercio e Inversión, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Entrepueblos e Word Green Building Council, teve como objetivos conectar a sociedade civil latino americana e europeia para refletir sobre a relação deste acordo com as mudanças climáticas e fortalecer estratégias de luta e resistência internacionais, afim de impedir a aprovação definitiva desse tratado.
[1] Jornalista da FASE, com a colaboração de Caroline Rodrigues, do Grupo Carta de Belém.
[2]Após a desistência do Brasil em realizar a COP, o Chile seria a sede do evento. Porém, com o aumento das manifestações populares contra o governo, a Espanha se ofereceu para sediar a conferência.