29/09/2006 10:31

O Projeto DESC da FASE realizou na semana passada a segunda edição de seu curso de formação em direitos humanos econômicos, sociais e culturais (os chamados DESC). Em quatro dias, representantes de movimentos sociais e organizações não governamentais de todas as regiões do Brasil estiveram concentrados nas questões dos direitos humanos sob esta perspectiva. A atividade tem como objetivo capacitar pessoas e instituições que atuam de forma organizada na defesa de direitos humanos. Seja essa atuação como for. O que importa é que sejam comprometidos com direitos que são repetidamente violados no Brasil de hoje. Por quem? Grandes indústrias, obras de infra-estrutura, fazendeiros e pecuaristas, grileiros, proprietários de imóveis urbanos vazios, polícias violentas, e, inevitável dizer, muitas vezes pelo próprio Estado. A lista poderia encher muitas linhas. O Fase Notícias procurou saber de alguns dos participantes como o Curso DESC os ajudará na luta cotidiana por direitos.

Daniel Silvestre, do Projeto DESC da FASE – O curso é uma atividade periódica de formação do Projeto DESC, com o objetivo de ampliar, disseminar e fortalecer uma cultura de direitos em organizações e movimentos sociais que têm uma trajetória e um trabalho com demandas sociais e que se interessam em fortalecer sua luta utilizando-se do instrumental e do discurso dos direitos humanos na qualificação destas demandas. Essa é a segunda edição do curso. Trazemos militantes de todo o país e das várias áreas temáticas dos direitos humanos: terra, direitos de minorias, direitos ambientais, comunicadores sociais, lideranças da reforma urbana, grupos de periferia.

Cida Castro. Associação de Moradores Vítimas do Derramamento de Óleo Diesel da Ferrovia Central Atlântica. Atualmente está em luta contra a Petrobrás devido à ameaça de impacto socioambiental de um pólo petrolífero em Itaboraí – Como já acontecem algumas demissões na fazenda agrícola que receberá o pólo, quais são os direitos que as pessoas lá têm? E o que podemos fazer para mudar a situação desse pessoal que já foi mandado embora? A idéia é conhecer os direitos e aplicar onde eu estou morando, com essas pessoas cujas casas serão desapropriadas, para levantar uma luta em defesa dos direitos dessas pessoas. A gente quer preservar a cidade, não queremos que ela acabe porque vai receber um projeto. A gente quer uma economia sustentável.

Padre Claret. Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) – O curso é importante por duas razões. Primeiro, o fato de pessoas de várias entidades se encontrarem. Isso fortalece o movimento, não só o MAB, mas a sociedade organizada. A outra coisa é que a gente vai tomando conhecimento das leis e dos pactos que só por si não têm a força, mas nós como sociedade organizada podemos fazer deles um instrumento de luta e conquista. Por essas duas razões, eu entendo que o curso é muito importante.

Joba, militante do MST de Pernambuco – O curso nos qualifica para fazer uma intervenção bem melhor sobre a violação dos direitos humanos. Como identificar essas violações, a quem recorrer, e igualmente oportuniza a articulação entre diversas organizações que, embora tenham uma atuação específica, se integram no sentido de que quem viola acaba sendo os mesmos, que têm os mesmos projetos e afetam todos os que estão aqui. Então, a gente acaba assumindo uma identidade de classe devido a essas violações. Isso nos qualifica para fazer as denúncias, de que forma encaminhá-las, ver até que ponto os direitos são violados.

Heron Cordeiro, da ONG Vida Brasil, de Salvador – O curso vem reforçar um trabalho que a gente já faz na defesa e promoção dos direitos humanos. Acho que vai fundamentar nossas ações. A fundamentação e contextualização dos DESC vêm fortalecer nossas convicções. Vamos levar o que estamos discutindo aqui para o âmbito local. Esse curso dá uma visão ampla, completa, sobre como se pode trabalhar, afastando a questão do direito tradicional como se fosse só o acesso à justiça formal. São coisas também ligadas à mobilização, à articulação, e principalmente ao empoderamento por meio dessas linguagens técnicas que nos são necessárias a fim de continuar a luta.

Wallace Herman, da agência radiofônica PontoComSaúde, Rio de Janeiro – Eu sempre tive uma sensação de que a discussão dos direitos humanos era muito abstrata. Uma coisa para abençoar o capitalismo. Ele vem, joga a bomba e simultaneamente produz o discurso de direitos humanos. Acho que os DESC politizam e materializam essas demandas, as quais somos a favor, mas não de forma abstrata. A gente quer controle social da saúde, cota universitária, terra. A gente quer coisas muito materiais. Então, acho que os DESC são um caminho de conseguir coisas concretas, na medida em que passam a ter materialidade política. Os DESC são um caminho conseqüente de trabalhar com direitos humanos e pobreza em países periféricos, como o nosso. São os direitos humanos que nos interessam.

Rosana Fernandes, da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) – Já trabalhamos com direitos na CESE há mais de 30 anos. Mas para mim, que trabalho com movimento popular e particularmente com movimento negro, o curso contribui para pensar como levar a essas comunidades o que aprendemos aqui. Temos uma linha de diálogo que trabalha com acesso a direitos e numa outra linha trabalhamos com formação. Então, isso vai funcionar.

Mayron Borges, do Fórum Carajás – Esse curso desvela muita coisa para mim, porque certas vezes você atua mecanicamente na defesa dos direitos humanos, às vezes falta reflexão sobre o porquê de determinadas ações. O DESC força você a pensar um pouco o que extamente são os direitos humanos – são direitos sociais, econômicos, direitos ambientais. Os DESC são mais um instrumento na nossa luta, uma miríade de lutas e problemas na região onde atuamos.

Bertolino Lima Filho, quilombola da Associação dos Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Aquilerj) – Da maneira que foi explicado, sem usar os termos do direito tradicional que a gente não consegue entender, dá para entender. Isso é fundamental. Eu sempre venho contribuindo com a minha comunidade de Marambaia e com a Aquilerj, da qual sou conselheiro. Acho que vou poder, depois desse curso, contribuir mais, não em termos de quantidade, mas em qualidade. Porque eu entendi algumas coisas que não entendia antes. O curso foi uma contribuição mais para a causa pela qual eu luto, da Aquilerj, do que para mim pessoalmente.

Fábio Rodrigues da Silva, do Observatório das Favelas do Rio de Janeiro – A grande contribuição desse curso é a possibilidade de transmitir os conteúdos. A gente tem um núcleo que trabalha com direitos humanos. Percebemos que faltava um pouco de bagagem teórica em quem trabalha nesse núcleo. Começcamos algumas atividades de formação. A idéia era contribuir para as bases teóricas sobre direitos. Então esse curso caiu numa hora perfeita. O curso traz uma contribuição para a instituição, e conseqüentemente vai se refletir na comunidade e nos nossos projetos. A capacidade de multiplicação desse curso é muito grande. Os DESC são aplicáveis em nosso trabalho. Embora a gente tenha um foco na questão da violência letal, a questão dos DESC é necessária para discutir, por exemplo, medidas de prevenção para adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Gustavo Bernardes, do ONG Somos, de Porto Alegre – Acho que essa capacitação é importante porque queremos envolver mais nosso público na questão dos direitos econômicos, sociais e culturais. Esse trabalho com a FASE está sendo importante porque exatamente agora estamos querendo incluir essa discussão no movimento brasileiro de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. A interação de temas é enorme, mas nunca trabalhamos isso conscientemente. Por exemplo, a questão do direito ao trabalho do gay que sofre assédio moral dentro da empresa. Isso é uma coisa recorrente, sempre nos procuraram e nós nunca lidamos com isso como uma questão de direito ao trabalho com dignididade. Outra questão é a moradia das travestis: ninguém aluga apartamentos para travestis, elas têm que alugar quartos. Aí está o direito à moradia.

Alaiane Silva, da Casa da Mulher Trabalhadora (Camtra) – A Camtra pensa as mulheres como sujeitas e cidadãs que mais sofrem com relação ao desatendimento dos direitos econômicos, sociais e culturais. Pois dentre homens e mulheres, as mulheres são as mais pobres, dentre brancas e negras, as negras são as mais pobres, têm mais dificuldades com trabalho. E quando as mulheres têm dificuldade em conseguir trabalho, arranjam qualquer trabalho informal como solução para sustentar sua família ou ajudar o parceiro. Os DESC são uma ferramenta importantíssima, porque direitos econômicos e sociais são direitos de todos os cidadãos. Isso é muito escrito, mas na realidade atual das mulheres a gente vê que não é real.