Paula Schitine
07/02/2024 10:56

A Cartilha “Água: quem paga tem, e quem não pode pagar, fica sem?”, que faz parte da série  “Caminho das Águas”, recém lançada pela FASE Rio, traz uma novidade: uma versão resumida em vídeo com audiodescrição e tradução para Libras disponível no canal do Youtube da FASE. 

Segundo o educador da FASE Rio, Bruno França, a iniciativa surgiu durante as reuniões para elaboração da cartilha. A iniciativa faz parte do projeto da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde coordenado pela Fiocruz. “Naquele momento, estávamos avançando com as discussões da Política Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) da FASE, e a nossa estagiária Clara de Lima, estudante de Serviço Social, fez a ponte entre uma coisa e outra, sugerindo que a cartilha pudesse incluir algum elemento de acessibilidade e daí partimos para a busca de um formato adequado”, lembra o educador da FASE Rio.

Ele explica que a busca por orientação não foi fácil e incluiu contatos com instituições de referência para pessoas com deficiência, sem sucesso. Para pesquisar a linguagem e recursos mais adequados para pessoas com e sem deficiência, a FASE RJ recebeu contribuições de organizações da sociedade civil organizada com histórico de atuação na causa da acessibilidade, o que mostrou que a preocupação com essa dimensão deve estar presente desde a concepção do material até a impressão e distribuição. “Nessa pesquisa, a gente entendeu que traduzir todo o conteúdo não era adequado, na medida em que o próprio conteúdo da cartilha não era acessível a uma parcela da população que não acessa a educação formal ou não tem escolaridade. Assim, a gente chegou à conclusão que o ideal seria produzir um resumo da cartilha e garantir alguns recursos como a audiodescrição e a tradução para Libras. Depois de uma pesquisa de fornecedores, chegamos à empresa “Incluir pela Arte”, explica. 

A cartilha publicada é uma das ferramentas de luta por direitos que envolvem a concessão dos serviços de água e saneamento às empresas privadas no Rio de Janeiro. Bruno destaca que a  questão da mercantilização da água não tem a visibilidade necessária e/ou materiais acessíveis disponíveis. “A nossa ideia é que cada vez mais pessoas saibam desse tema e de como ele tem sido tratado por governos e empresas. Eu tenho certeza  que as pessoas têm a noção da importância e dos problemas que a água tem e a falta que faz, mas dificilmente a relação entre água e mercadoria é desvelada. No tempo em que vivemos, em que tudo é mercadoria, é difícil perceber que um bem tão necessário e que deveria ser acessível a todos é cada vez mais mediado pela capacidade de pagamento de uma conta”, defende.

O educador ainda lembra que a privatização do saneamento em grandes cidades agrava ainda mais o acesso desigual à água. “Isso prova que transformar água em mercadoria prejudica todo mundo. Muitos países já reestatizaram a prestação dos serviços ligados à água; conseguiram perceber como esse processo é tão perverso e não dá garantia de água para todos”, diz ele. Considera, ainda, que o Rio de Janeiro e outros estados que privatizaram o saneamento básico estão vendo apenas a ponta do iceberg. “A gente vai ver cada vez mais o encarecimento do custo para acessar a água, porque tudo é motivo de aumentar o preço:, o dólar, as chuvas, a seca. E qual o limite disso? As pessoas não podem ter que escolher entre pagar sua conta de água ou comer”, acredita ele. 

Quanto à acessibilidade deste conteúdo, o educador afirma que foi uma iniciativa muito positiva, já que permite um acesso às informações tão importantes produzidas pela equipe para um público mais amplo. “Pessoas com deficiência já sofrem com limites impostos socialmente e com o despreparo de pessoas e instituições e também porque esse tema do acesso à água é fundamental para a vida e foi uma união muito positiva ampliar esse canal de comunicação para um número maior de pessoas”, destaca.

A inclusão como elemento estruturante de ações e iniciativas

A empresa contratada para criar o vídeo foi a “Incluir pela Arte”, criada pela produtora audiovisual Vanessa Bruna, que é especialista em pesquisa de campo sobre acessibilidade para grandes empresas. Ela ficou deficiente visual aos 34 anos e conta que fundou a empresa porque vive diariamente as barreiras impostas pelo mercado de consumo, audiovisual, cultural, social e quis mudar essa realidade. “Eu descobri que as pessoas que perdem a visão ou se tornam deficiente depois da vida adulta têm uma briga que é retomar a vida normal. Então, eu queria ir ao teatro normalmente, ir ao cinema normalmente, só que o normalmente para mim teria que ser com alguns recursos, com os recursos de acessibilidade”, afirma.

Na pandemia, ela precisava se reinventar e fez um curso de produção cultural e, para sua surpresa, na turma encontrou um cenário  muito comum, infelizmente. “Tinham uns 30 produtores culturais super feras do mercado mas nenhum conhecimento sobre  acessibilidade. E nesse momento, eu falei, opa me achei!. E aí nasceu a Incluir pela Arte”, lembra. 

Vanessa conta que desde que começou a ter dificuldades visuais percebeu que faltava informação e humanização para inclusão. E ela ainda compara: “acessibilidade é um direito, já inclusão é questão de respeito, porque ela não é engessada. Você pode ter acessibilidade, mas isso não quer dizer que você tem inclusão. A acessibilidade, ela vive sem a inclusão, mas a inclusão não vive sem acessibilidade”, pondera. 

Sobre a iniciativa da FASE Rio de incluir pessoas com deficiência em suas ações, ela diz que é um grande salto de consciência, já que as organizações e o mundo corporativo ainda não normalizaram essa prática. “O que falta às empresas e organizações é colocar a acessibilidade como um item de equipe. Porque tem o produtor, o coordenador, a comunicação, a informática, a gestão pública, e onde está o pessoal da acessibilidade? É isso que está faltando, pessoas responsáveis por acessibilidade, que vão dialogar com todos os outros setores da corporação”, defende. “Quando isso acontecer aí sim vai haver um olhar mais comprometido para a necessidade de se ter profissionais com deficiência no corpo colaborativo. Então é vertical, essa acessibilidade acontece de forma vertical, ela vai perpassando todos os momentos de uma empresa ou organização. Então, nesse sentido, a FASE está no caminho certo”, completa.

*Comunicadora da FASE