26/09/2016 11:04
Andrés Pasquis¹
“Toda semente é um anseio de frutificar e todo fruto é uma forma da gente se dar. Põe a semente na terra, não será em vão. Não te preocupe a colheita, plantas para o irmão…”, ecoavam os versos da música popular, marcando o compasso da V Festa da Troca de Sementes Crioulas do município de Nossa Senhora de Livramento, em Mato Grosso. A casa do agricultor Marino França, na comunidade Campinas de Cima, a cerca de 130 quilômetros de Cuiabá, foi o palco desse intercâmbio de saberes e sabores agroecológicos, organizado anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no sábado (17).
Aline Mialho, técnica educadora da CPT, explicou que as festas nasceram de uma grave preocupação com relação a perda do cultivo das sementes crioulas e às tradições relacionadas. “Cada vez menos agricultoras e agricultores familiares utilizavam essas sementes, que faziam parte da tradição deles, passando a comprar cada vez mais produtos do agronegócio. Foi assim que surgiu a ideia de criar um momento que privilegiasse a troca de sementes, saberes e experiências. O objetivo é conscientizar a população sobre a importância de conservar e valorizar as sementes crioulas, junto com os conhecimentos ligados a elas”, ressaltou. Para ela, a Festa é uma forma de resistência contra um sistema injusto e insustentável, através do diálogo e organização das comunidades, com base em informações concretas e verídicas.
Debates sobre “a importância da mobilização da agricultura familiar para garantia de seus direitos”, “os impactos do sistema imposto pelo agronegócio com suas monoculturas e venenos” e a “agroecologia como alternativa social, política e econômica”, e oficinas sobre as sementes crioulas e os conhecimentos da roça, saberes e sabores do cerrado, boas práticas para a saúde, os agrotóxicos e seus impactos, a agroecologia e o direito à água fizeram parte da programação do encontro. Todas essas temáticas estão ligadas umas às outras, como explicou a Irmã Vera, coordenadora regional da CPT, que participou da oficina sobre a saúde. “Já vimos que nos territórios onde há utilização de agrotóxicos, o câncer não é mais uma doença isolada. Nossos companheiros estão morrendo envenenados todo dia, por isso precisamos nos organizar e resistir, protegendo nossas culturas e defendendo a agroecologia”, alerta.
Seguindo o lema “Apesar da seca e das cercas, o cerrado ainda floresce”, foi realizada a troca de sementes e mudas crioulas. “A troca é o ponto forte do encontro. É um momento de euforia, de intercâmbio e de fortalecimento das relações, é realmente muito gratificante”, confessou Aline.
Depois das oficinas, agricultoras e agricultores que levaram milho do próprio cultivo, fizeram um teste de transgenia com educadores do programa da FASE no estado. Francileia Paula de Castro, educadora da FASE e representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, explicou que, além das ameaças para a saúde que a utilização de agrotóxicos e produtos transgênicos representa, existe também o risco de contaminação das culturas e biomas vizinhos. “Esse e outros temas relacionados também serão abordados durante o Encontro Estadual de Agroecologia de Mato Grosso, que acontecerá no final do ano, em Cuiabá, organizado pelo Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (Gias), que a CPT, FASE e outras 50 organizações integram”, informou Francileia.
A próxima Festa acontecerá no município de São Manoel do Pari, em outubro de 2017.
[1] Edição de matéria do comunicador do Gias.