18/12/2006 12:04
Gloria Regina Amaral
As comunidades extrativistas da região do Marajó ou, como também é chamada, da Região do Estuário do Rio Amazonas, na Amazônia, estão comemorando mais uma conquista. Dessa vez elas conseguiram, através de sua luta e organização, que finalmente fosse decretada a criação de uma reserva extrativista que vai beneficiar 10 comunidades nos municípios de Gurupá e Melgaço, no Pará. Isto significa que aproximadamente 500 famílias terão seu direito ao uso da terra e dos recursos naturais reconhecidos legalmente.
Foi divulgado no Diário Oficial da União, no dia 30 de novembro último, o Decreto assinado pelo Vice-Presidente da República José Alencar, no exercício do cargo de Presidente da República, que cria a Reserva Extrativista Gurupá-Melgaço, nos Municípios de Gurupá e Melgaço, no Estado do Pará, com área aproximada de 145.297,54 ha. Segundo o decreto, a criação da reserva tem por objetivo “proteger os meios de vida e a cultura da população extrativista residente na área de sua abrangência e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade”.
Para o técnico Manuel Pantoja, o “Bira” da Fase Amazônia, a criação da reserva significa tranqüilidade para cerca de 2500 pessoas: “Eles agora podem manejar sua terra com segurança, manejar o açaizal, o camarão, a madeira, pois ninguém poderá mais entrar e dizer: Isso não é seu. É meu.” Como o município de Gurupá é um dos que tem uma floresta bem conservada na região do Marajó, há uma cobiça muito grande por parte dos madeireiros. Mas, de acordo com o técnico da Fase, as comunidades têm consciência de que a madeira de pé rende mais do que derrubada. Ou seja, elas lucram mais com o manejo dos recursos do que com a madeira. Por isso, os comunitários (agricultores ou extrativistas moradores das comunidades) vivem preocupados com a presença dos madeireiros na região.
Com a criação da reserva, a expectativa é que esta situação se modifique, pois os comunitários terão como exigir a retirada ou pelo menos inibir a entrada dos madeireiros na reserva. O fato de que os fundos dessa nova Reserva Extrativista Gurupá-Melgaço fazem limite com a Reserva Nacional de Caxiuanã, onde há uma área destinada a pesquisa e outra sendo avaliada para fins de manejo florestal, também ajudará a conter a entrada dos madeireiros. Pelo menos, é nisto que acreditam as famílias beneficiadas e as instituições que apóiam a luta dessas comunidades. Ao que parece, a parceria entre as comunidades e instituições como a Igreja, o Sindicato de Trabalhadores Rurais local, a FASE e a própria Prefeitura ajudou muito na conquista dessa vitória. Os comunitários, segundo Bira, convidaram essas instituições, ou representantes delas, para a festa em comemoração à criação da reserva e agradeceram seu apoio.
Um pouco da história – “São mais ou menos 30 anos de luta. Todo trabalho de organização das comunidades começou com a Igreja, que no tempo das Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs, incentivaram a permanência e resistência dos trabalhadores na terra. Aí veio o Estatuto da Terra. O caboclo tinha o Estatuto da Terra na cabeça como uma arma contra os patrões”, conta Bira. O sindicato também teria assumido como bandeira de luta a questão da documentação das terras, publicando, inclusive, uma cartilha cujo título era “Documentar a terra é uma luta constante”. As famílias se sindicalizaram ainda naquela época e já havia uma organização em torno de sindicato, associação etc. quando a Fase chegou para prestar assessoria técnica e jurídica e desenvolver um trabalho de educação popular e também de sensibilização sobre a importância da documentação das terras. Entre 1998 e 1999, a FASE faz um levantamento de documentação na região e descobre que a terra, na verdade, não tinha legalmente dono. Apenas uns 16 títulos de posse eram legais. A maioria dos patrões, no entanto, tinham papéis que não valiam nada, de acordo com o técnico da Fase. Bira lembra que algumas pessoas precisaram ser convencidas da importância da documentação das terras, pois grande parte delas não tinha nem um documento de identificação próprio, como identidade ou certidão de nascimento, o que os fazia não valorizar o papel ou o documento como prova de seu direito a terra. Neste sentido, a luta pela regularização da terra também foi importante para a documentação das pessoas, pois para regularizar suas terras ou para exigir direitos como o Funrural, as pessoas precisavam portar documentos de identificação. “Hoje, na área do quilombo mais ou menos 90% das pessoas já tem seus documentos”, afirma ele.
Nesta área dos quilombos, segundo Bira, 10 comunidades, onde vivem cerca de 400 famílias, já têm seus títulos definitivos. Ou melhor, a associação tem o título e cada família associada tem uma cópia, o que lhes garante o direito sobre a terra. Na região há diversas reservas regulamentadas e mais ou menos quatro processos de legalização em andamento. A forma como se dá a regularização é basicamente igual, segundo Bira, a terra passa a ser do IBAMA com contrato de concessão de uso para uma Associação dos extrativistas que passará a cada família uma cópia da titulação. Cada família sabe onde começa e onde termina sua posse e há uma Comissão do Plano de Uso que fiscalizará o cumprimento do acordo. O mais importante, ele garante, é que cada família é responsável por fiscalizar também o todo. O Plano de Uso, criado e executado pela própria comunidade, é um instrumento de regulação dos direitos e contrapartida de cada comunitário, ele ajuda a dar limites e proteger a família associada e também os recursos da floresta. O Plano de Uso, no entanto, não está acima de Lei Constitucional, ele é um instrumento criado, mas segue a “legalidade”, esclarece Bira.
As comunidades que exercem o manejo florestal no Pará já conquistaram algumas outras vitórias. Em 2005, por exemplo, o trabalho desenvolvido pela Fase através do Projeto de Desenvolvimento Local Gurupá venceu o Plano de Manejo Florestal Comunitário de Uso Múltiplo da Andiroba . O grupo havia começado, com a assessoria da FASE Amazônia, o processo de uso diversificado a partir do aproveitamento das sementes para a extração de óleo de andiroba. Há pouco mais de um mês, quase ao mesmo tempo em que saía o decreto de criação da reserva extrativista de Gurupá-Melgaço, a Rádio Comunitária Educadora de Gurupá recebia a concessão para seu funcionamento, depois de dez anos de existência.
Esse é um exemplo de que com muita luta, determinação e organização ainda se consegue fazer justiça e ver reconhecidos os direitos neste país. As comunidades extrativistas do Pará estão mais uma vez de parabéns!