19/02/2021 17:28
Comissão Pastoral da Terra
Nesta quinta-feira (18), mais uma vez, a comunidade de posseiros tradicionais da comunidade Tauá, localizada no município de Barra do Ouro (TO), enfrentou ameaças por parte de pistoleiros. Dessa vez, três homens armados ameaçaram e intimidaram a família da principal liderança da região, Dona Raimunda. Matriarca da comunidade, dona Raimunda é conhecida por sua resistência contra a grilagem. Ela foi mais uma vez ameaçada por homens armados que exigiram a paralisação do serviço de levantamento de campo para elaboração do georreferenciamento e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das famílias.
O início do trabalho de campo para o georreferenciamento se deu no dia 10 de fevereiro e, no dia seguinte, fiscais da fazenda Binotto, do empresário Emílio Binotto, tentaram impedir o trabalho técnico, destruindo os marcos colocados na área. Não satisfeitos com a primeira pressão e intimidação, outros três homens, armados, foram nesta quinta-feira até a casa de Dona Raimunda e abordaram os moradores com tom ameaçador, exigindo que ela saísse de sua casa. Antes de irem embora, exigiram ainda a paralisação dos trabalhos do georreferenciamento e CAR, caso contrário haveria “consequências” para Dona Raimunda e sua comunidade.
As famílias registraram boletim de ocorrência e estão em contato com o Ministério Público Federal (MPF) para tomar as medidas necessárias para garantir a sua segurança e a agilidade nos processos de regularização fundiária das terras das famílias posseiras e de assentamento para as famílias ocupantes. Do outro lado, desafiando decisões judiciais, Emílio Binotto, pretenso proprietário da área em questão, em típica ação de grilagem, tem usado artifícios violentos para impedir as famílias tradicionais de regularizarem suas terras.
Como Comissão Pastoral da Terra, Regional Araguaia-Tocantins, vimos primeiramente manifestar nosso apoio e solidariedade às famílias da comunidade Tauá. Reforçando o apelo dos moradores e moradoras, denunciamos a grilagem de terra e a violência praticada contra a comunidade e cobramos dos órgãos públicos competentes que investiguem com rigor a situação, resguardando a segurança das famílias e o seu direito à terra.
Histórico
A Gleba Tauá, um grande território tradicional do município de Barra do Ouro (TO), é ocupada há mais de 50 anos por famílias camponesas. Corresponde à uma área matriculada como Terra Pública da União, arrecadada em 1984 pelo Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT), totalizando 17.735 mil hectares. Nesta ocasião, um processo de titulação de terras instaurado registrou apenas parte das áreas, deixando muitas famílias sem acesso à titulação. Desde 1992 as famílias moradoras vêm sofrendo pressões e violências, tais como queima de casas, matança de animais, ameaças de morte, destruição de roças, despejos e cercamento pelas lavouras de soja. O desassossego das famílias não está relacionado apenas à violência física, patrimonial e moral, mas, e fundamentalmente, à violência cultural que é praticada contra seus modos de vida. Desde a chegada do grileiro Emílio Binotto na região, as famílias tiveram seus espaços sagrados destruídos e interferidos de forma violenta pela brutal implantação da soja, a exemplo dos cemitérios e dos córregos que abasteciam a comunidade.
Em 2016, mesmo após várias ações que comprovaram a grilagem da terra, o juiz da Comarca de Goiatins expediu liminar de despejo contra as famílias de posseiros e ocupantes. Em 2019, uma decisão da Justiça Federal determinou que o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) desse prosseguimento ao processo administrativo de regularização da posse de quatro famílias posseiras, parado desde 2010. Mas, reconheceu também ao grileiro o direito de posse de uma das 14 áreas em litígio, sendo essa uma das áreas onde são estabelecidas as famílias ocupantes. Concretamente, houve avanços em favor das comunidades nos processos administrativos e judiciais, mas tais decisões tiveram pouco efeito no sentido de garantir a segurança das famílias e de impedir a destruição ambiental do território da Tauá. Atualmente, mais de 100 famílias vivem neste território, entre camponeses posseiros, sem-terra e camponeses tradicionais que reivindicam a regularização fundiária, a reforma agrária e terras tituladas.