15/02/2016 10:56

O Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas entregou requerimento ao presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Dr. Alamiro Velludo, na sexta-feira (5) visando a conquista de indulto (concessão de perdão e redução de penas) no Dia Internacional da Mulher, celebrado no próximo dia 8 de março. Cerca de 80 organizações e entidades já assinaram o documento. Caso a proposta seja aceita, mulheres que estejam cumprindo até cinco anos de reclusão serão beneficiadas².

O Grupo destaca que as presas representam 8% da população carcerária brasileira, aproximadamente 38 mil mulheres. Destas, entre 70% e 80% são mães. Dos homens encarcerados em 2014, no estado de São Paulo, 2.235 tiveram direito ao indulto, enquanto apenas 65 mulheres foram contempladas. Em Minas Gerais, no mesmo ano, foram 1.211 homens para 54 mulheres e no Rio Grande do Sul 1032 homens para apenas 8 mulheres³.

Leia o documento que será encaminhado à presidenta Dilma Rousseff, ao ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e ao presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Alamiro Velludo Salvador Netto. Instituições que têm interesse em participar desta mobilização pelos direitos das mulheres encarceradas devem enviar e-mail para juizes@ajd.org.br.

Foto Dora Martins (VIOMUNDO)

Existem cerca de 38 mil mulheres nas prisões brasileiras. (Foto: Dora Martins/ Viomundo)

Indulto do Dia da Mulher

O Grupo de Estudos e Trabalho “Mulheres Encarceradas” e as entidades que esta subscrevem vem à presença de Vossas Excelências para requerer que seja expedido decreto de concessão de indulto e comutação de penas, em comemoração ao Dia da Mulher.

O GET “Mulheres Encarceradas”, que atua desde 2001, é uma rede que tem como objetivo primordial discutir a realidade da mulher presa, suas condições de encarceramento, seu acentuado perfil de exclusão social, a emergência de atendimento a seus direitos, a violência de gênero sofrida e apresentar propostas para que esta situação seja alterada.

A exclusão e discriminação das mulheres encarceradas, iniciadas no seio da sociedade, nos dão a certeza que há um longo caminho a trilhar. Há necessidade de políticas efetivas e com este propósito, indicamos a urgência para que o indulto, instrumento histórico de política criminal, de previsão constitucional, seja aplicado de modo eficaz, para que de fato atinja as mulheres.

Documentos internacionais e regionais recomendam que se preste maior atenção às questões das mulheres que se encontram na prisão, inclusive no tocante aos seus filhos. Neste sentido, dentre outros,  a Convenção Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; o Conjunto de Princípios para a proteção de todas as pessoas submetidas a detenção ou prisão – adotado pela Assembleia Geral da ONU de 1988; a Recomendação da Assembleia Geral da ONU, Resolução 58/183,  que determinou que se prestasse maior atenção às questões de mulheres que se encontram em prisão, inclusive no tocante aos filhos; as Regras de Bangkok-  normativa mais recente, da ONU, especialmente direcionada para o tratamento das mulheres presas.

Documentos nacionais também indicam a necessidade de que se estabeleça políticas públicas diferenciadas para as mulheres encarceradas, que constituem um percentual pequeno da população carcerária (cerca de 8%); com alta porcentagem de mães presas (cerca de 70/80%); que se encarregam de cuidar dos filhos.

Os dados apontam para um aumento do aprisionamento feminino, sendo que na última década e meia, este aumento é da ordem de 570%, que não se circunscreve a delitos violentos. De cerca de 610 mil presos, 38 mil são mulheres. A maioria está detida por delito que envolve pouca quantidade de droga. O último relatório do Infopen [Sistema Integrado de Informações Penitenciárias], publicado pelo Ministério da Justiça, estima que 63% das mulheres estão presas por delitos relativos às drogas, o que representa, proporcionalmente, um número três vezes maior que o de homens detidos pelo mesmo delito (Infopen- Mulheres, do Ministério da Justiça).

Raça é elemento primordial na identificação do perfil da mulher encarcerada, já que o número de mulheres negras que estão presas é proporcionalmente maior do que a população de mulheres negras. Duas em cada três mulheres presas são negras, desta forma, representam 67%  da população carcerária feminina, enquanto na população em geral a proporção é de 51%, segundo dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística].

O aumento do encarceramento das mulheres produz consequências de diversas ordens, mas é necessário destacar a perda ou fragilização das relações familiares, pois grande parte das mulheres são simplesmente abandonadas. Outrossim, facilmente constatável o esgarçamento no universo filhos e mãe presas, em que pese um expressivo percentual de filhos de presas estar sob a tutela de seus familiares. Todas as crianças padecem com o rompimento, mas em número maior as crianças negras, diante do encarceramento desproporcional de mulheres negras.

Note-se que os dados provam que a política criminal referente ao indulto, estabelecida até hoje, não contempla , em termos concretos, as mulheres presas, como se vê pelos número de mulheres indultadas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Vejamos:

A Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo informou  os seguintes números de indultos concedidos:

INDULTO NATALINO
ANO MASCULINO FEMININO TOTAL
2010 617 5 622
2011 660 3 663
2012 700 16 716
2013 2198 56 2251
2014 2335 65 2400
TOTAL 6510 142 6652

A Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS, de Minas Gerais informou  os seguintes números de indultos concedidos:

INDULTO NATALINO
ANO MASCULINO FEMININO TOTAL
2012 1256 24 1280
2013 1257 50 1307
2014 1211 54 1265

A SUSEP –  do Estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, informou os seguintes números de indultados e  comutados:

 INDULTO NATALINO
ANO MASCULINO FEMININO TOTAL
2010 574 16 590
2011 682 29 711
2012 700 16 716
2013 538 18 556
2014 622 19 641
TOTAL 3116 98 3241
COMUTAÇÃO
ANO MASCULINO FEMININO TOTAL
2010 905 22 916
2011 698 56 754
2012 937 7 944
2013 985 6 991
2014 1032 8 1041
TOTAL 4557 99 4649

São números pífios, que retratam a ineficácia do indulto concedido até então, já que os três estados da federação, que prestaram a informação diretamente à Associação Juízes para a Democracia, são os que concentram significativamente a população encarcerada do Brasil.

Foto: Dora Martins (VIOMUNDO)

Foto: Dora Martins (VIOMUNDO)

O indulto é importante instrumento de política criminal, mas não é aplicado com critérios eficazes, de modo a atingir número minimamente significativo de mulheres encarceradas. A restrição de concessão de indulto para as mulheres condenadas nos termos do artigo 33 da Lei n. 11343/2006, redunda na ineficácia do indulto para as mulheres.

É importante que novas alternativas em políticas criminais comecem a ser realizadas. Este foi o caminho em vários países.

O presidente Barack Obama iniciou em 2015 uma nova página no encarceramento massivo relacionado a drogas, antecipando a soltura de milhares de presos. Os Estados Unidos se deram conta de que uma nova abordagem é necessária; que os custos do sistema prisional são altíssimos, que o aprisionamento em massa não levou à superação ou diminuição do tráfico de drogas,  que grande maioria da população atingida é de negros e hispânicos, que foi produzida uma superpopulação carcerária.

Outros países, como o Costa Rica e do Equador, também têm utilizado mecanismos alternativos para lidar com as mulheres envolvidas no tráfico de drogas. O Equador adotou em 2008 indulto que incluía pessoas presas pela primeira vez por transporte de drogas, com até dois quilos de substância e que já tivessem cumprido pelo menos 10% de sua sentença. Mil e quinhentas pessoas foram contempladas. A Costa Rica incluiu o critério de gênero para análise de proporcionalidade das penas e de atenuantes causados por vulnerabilidade das mulheres em lei de 2013, passando a aplicar redutores de penas em função da extrema pobreza, chefia de lar, responsabilidade sobre crianças e adolescentes, idosos ou pessoas com deficiência – uma iniciativa reconhecida pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) como boa prática a ser implementada por outros países.

A urgência da medida no Brasil se impõe para que se encontre um mínimo de equilíbrio na questão prisional das mulheres, em cotejo com as consequências no âmbito social e familiar e o alto custo do seu encarceramento.

Diante do quadro acima, requeremos seja decretado indulto/comutação comemorativo ao Dia da Mulher, contemplando-se nas suas hipóteses de concessão às mulheres condenadas nos termos do artigo 33, da Lei 11343/06, que  pena de até cinco anos de reclusão.

Colocamo-nos à disposição de Vossas Excelências na esperança que o ano de 2016 seja um marco efetivo de política criminal para as mulheres encarceradas e desde já registramos que pequeno material sobre o tema pode ser encontrado  através do link: http://migre.me/sZCMi.

Atenciosamente,

São Paulo, 4 de fevereiro de 2016.

1. Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas

2.AJD – Associação Juízes para a Democracia

3.CNBB – Pastoral Carcerária Nacional

4. KOINONIA- Presença Ecumênica e Serviço

5.ITTC – Instituto Terra Trabalho e Cidadania

6. IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

7. ASBRAD – Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude-

8. Conectas Direitos Humanos

9. ARP – Associação pela Reforma Prisional

10. IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros

11. ANADEF – Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais.

12. Associação dos Defensores Públicos do Estado do Maranhão

13. FASE – Federação de Órgão para Assistência Social e Educacional

14. Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo

15.Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária do Pará – CEPCP/PA

16.CRESS -Conselho Regional de Serviço Social 9ª Região/SP

17.Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP-06 

18. FENAJ – Federação Nacional de Jornalistas

19. Rede de Justiça Criminal

20.Plataforma Brasileira de Política de Drogas

21.UNEAFRO Brasil

22.Grupo Candango de Crominologia, da Universidade de Brasilia-UnB

23.Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos da UFRJ

24.União de Mulheres de São Paulo

25.THEMIS – Gênero, Justiça e Direitos Humanos

26.Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro – Nacional 

27.Fórum Cearense de Mulheres

28.OAB – Seção do Espírito Santo

29.Justiça Global

30.Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH

31.APROPUC – Associação dos Professores da PUCSP

32.CSDDH – Centro Santo Dias de Diretos Humanos da Arquidiocese de SP

33.CADHU – Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos

34.CDHEP – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular

35.Centro de Assessoria Popular Mariana Criola

36.ABESUP – Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos

37.Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

38.ABORDA – Associação Brasileira de Redução de Danos

39. Grupo Asa Branca de Criminologia – PE

40.INEGRA – Instituto Negra do Ceará

41.Associação Missionários Leigos de Maryknoll

42.Centro de Direitos Humanos de Sapopemba

43.Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da UnB-Ceilândia

44.Coletivo BIL – Coletivo de Mulheres Bissexuais e Lésbicas do Vale do Aço/MG

45.Coletivo Juntas na Luta

46.Coletivo Peso – Periferia Soberana MG

47. Associação de Voluntários Integrados no Brasil

48. Observatório da Mulher

49. Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ

50. CEDECA-Sapopemba “Mônica Paião Trevisan

51.Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência

52.GAPD – Grupo de Ação Pastoral da Diversidade/SP

53.GEPÊPRIVAÇÃO – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regimes de Privação da Liberdade

54.GIESP – Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Psicoativos

55. GT -Identidade de Gênero e Cidadania LGBTI da Defensoria Pública da União

56.Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos

57.Instituto EcoVida – ONG

58.IPJ – Instituto Paulista de Juventude

59.Mulheres do Movimento sem Terra de Ermelino Matarazzo

60. Núcleo  de Educação  em Diretos  Humanos – NEDH UFRJ

61.Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos da Defensoria Pública do Estado do RJ

62.Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública de Santa Catarina

63.Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

64.Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Diretos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo

65.Núcleo  Interdisciplinar de Ações  para a Cidadania – NIAC UFRJ

66.Núcleos Contra a Desigualdade Racial – RJ

67.Fórum21

68.Comitê Pró-Haiti – Brasil

69.Organização Indígena Revolucionária

70.Rede Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas – RENCA

71. Sociedade Amigos Vila Mara Jardim Maia e Vilas Adjacentes

72.Tribunal Popular

74.Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular

75. SEJUS – Secretaria de Estado de Justiça de Rondônia

76. Secretaria de Estado do Segurança Pública e Administração Penitenciária do Estado do Paraná – SESP

78.Departamento de Execução Penal do Estado do Paraná – DEPEN,

79. Cento de Regime Semiaberto Feminino de Curitiba – CRAF.

[1] Com informações do site Viomundo.

[2] Dados das Secretarias de Administração Penitenciária de cada Estado.