21/07/2015 17:05
“Não quero ser estuprada por causa de uma rua escura”, dizia um de muitos cartazes carregados por mulheres durante ‘lanternaço’ realizado em Santarém, município localizado a 836 quilômetros da capital paraense Belém. O protesto foi organizado pelo programa da FASE na Amazônia, pela Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém (Famcos), pela Associação de Moradores do bairro do Umari (Ambu) e pela Action Aid, no contexto da campanha “Cidades Seguras para as Mulheres – a cidade que se tem, a cidade que se quer ter”. A ação demonstrou como a precária ou mesmo inexistente iluminação pública interfere, em especial, nas dinâmicas de mobilidade urbana das mulheres.
“A partir do momento em que tu começa a ter mais autonomia sobre tuas atividades enquanto mulher, tu percebe que a sociedade te aprisiona porque tu acaba sendo vista como um ser que é atrativo sexual”, relatou a universitária Raiana Dolores para o portal G1 durante a manifestação, demonstrando como se sente em uma sociedade que não reconhece mulheres como sujeitos de direitos iguais aos homens. Durante a ação, realizada na noite do último 3 de julho, mulheres percorreram ruas escuras de Santarém com lanternas nas mãos, chamando atenção para o fato da cultura machista, somada às desigualdades sociais, ser responsável por tolher direitos fundamentais no cotidiano das mulheres, inclusive o direito à cidade.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam a escala do problema: cerca de 70% das mulheres em todo o mundo poderão sofrer algum tipo de violência de gênero ao longo de suas vidas. Estima-se que uma em cada cinco mulheres serão vítimas de estupro ou de uma tentativa de estupro. É nesse contexto que a ActionAid, em parceira com entidades e movimentos sociais, dentre elas a FASE, desenvolve a campanha para cobrar do poder público medidas que coloquem a questão na agenda política.
“Muitas vezes é preciso alterar um caminho, andar mais rápido para passar por um local escuro ou até deixar de circular por determinada hora. O medo da violência aumenta nas periferias e locais mais pobres, onde a iluminação é um problema estrutural grave, levando vulnerabilidade a milhares de mulheres e limitando sua mobilidade urbana”, exemplifica um trecho no site da Campanha. Outros temas centrais em “Cidades Seguras para as Mulheres” são: educação, transporte e moradia.
Desdobramentos em Santarém
Aldebaram Moura, da coordenação do programa da FASE na Amazônia, destaca que realizar ações que chamem atenção da população, como é o caso do ‘lanternaço’, serve para trazer à tona a desigualdade de gênero, para enfrentar a questão como um elemento estruturante da sociedade e também para fortalecer a luta das mulheres pela afirmação de políticas públicas que combatam esta realidade. Além da iluminação, ela cita a necessidade de se construir creches e de se destinar habitações de interesse social para mulheres vítimas de violência doméstica. Estas propostas compõem uma plataforma que esta sendo elaborada pelas mulheres santarenas e que, em breve, será apresentada ao poder público.
Ela ressalta ainda que protestos locais como o de Santarém são importantes para que as cidades sejam vistas a partir de suas particularidades. E lembra que os contextos urbanos na Amazônia são diferentes dos de grandes metrópoles. “As cidades são, em sua maioria, periurbanas. Elas misturam o urbano, o rural e a influência das florestas. As políticas públicas devem ser participativas, devem respeitar essas realidades. Não devem ser generalizantes, feitas de cima para baixo”, pontuou Aldebaram.
Vídeo registrou o ‘lanternaço’: