18/10/2008 12:44
Fausto Oliveira
Nesta semana em que se celebrou o Dia Mundial da Alimentação, dois manifestos internacionais circularam pedindo mudanças urgentes na questão do uso da terra para produção de combustíveis. Um deles critica a adoção de metas para mistura de agrocombustíveis aos combustíveis fósseis nos países da União Européia. O outro denuncia a farsa da propaganda das monoculturas de óleo de palma como alternativa sustentável em diversos países. Ambos os manifestos são assinados pela Fase.
Assinada por 57 entidades sociais de todos os continentes, a carta à Comissão Européia (órgão executivo da União Européia) reivindica que os países do bloco desistam de uma vez da idéia de ter 10% de agrocombustível misturado aos combustíveis fósseis até 2020, como hoje se planeja. Se a meta da União Européia for mantida, a demanda sobre os países emergentes aumentará, e a produção insustentável de agrocombustíveis continuará pressionando o meio ambiente, a produção de alimentos e as populações rurais, estas cada vez mais metidas numa encruzilhada pelo grande capital agrícola internacional.
Investir em agrocombustíveis não contribui para reduzir as mudanças climáticas. Ao contrário, pois o plantio de monoculturas como de cana de açúcar implica em perda ainda maior de biodiversidade, degradação do solo, queimadas regulares de grandes áreas de cana. Além, é claro, da imensa hipocrisia do mercado de carbono, que premia uma monocultura como esta com dinheiro, porque supostamente ela captura carbono da atmosfera, quando na verdade ela existe apenas para que os milhões de carros continuem a emitir muito mais carbono todos os dias. Outro gravíssimo problema é a óbvia redução na produção de alimentos, que já fez o preço da comida subir em todo o mundo este ano e fará ainda mais se os países forem estimulados a usar sua terra para produzir combustíveis em vez de alimentos. É, portanto, do aquecimento global e da alimentação da humanidade que se trata, quando uma desastrada política de incentivo aos agrocombustíveis é posta em marcha.
Algo não muito diferente ocorre com o óleo de palma, motivo do outro manifesto assinado pela Fase nesta semana. Fonte de agrocombustível, tal como a cana de açúcar, o óleo de palma vem sendo largamente cultivado em países como Malásia, Filipinas, Uganda, Costa do Marfim, Camboja e Tailândia. Nas Américas, este tipo de monocultura já é uma realidade na Colômbia, México, Guatemala, Nicarágua, e em outros lugares. A lógica é a mesma: substituem-se florestas sem dor na consciência pelas monoculturas, com a esfarrapada desculpa de que são “verdes” ou “sustentáveis”, e o que se vê são os mesmos danos ao equilíbrio climático e à oferta de alimentos à população.
Nesta semana da Alimentação, numa suprema hipocrisia, representantes de governos e empresas interessados na expansão do óleo de palma estão reunidos na Colômbia para a “Mesa Redonda do Óleo de Palma Sustentável”. É uma piada de mau gosto, já que a monocultura de palma é responsável pelas maiores violações ao direito à alimentação nos países onde está se expandindo. Além disso, é preciso noticiar que as oligarquias colombianas que agora vêem a chance de engordar o cofre com o óleo de palma estão partindo para a violência contra quem se opõe a seu modelo. Um agricultor chamado Walberto Hoyos Rivas foi morto no dia 14 de outubro por um pistoleiro, na saída de uma reunião de camponeses contrários à expansão desta monocultura no país.
Insustentabilidade, irresponsabilidade, inconseqüência e violência. Esta é a rotina da escalada insana dos agrocombustíveis. Longe de se apresentar como alternativa limpa para o petróleo, este novo modelo é apenas uma máscara verde que as grandes corporações tentam pôr sobre seu rosto para continuar fazendo o mesmo que já fazem há décadas. Não lhes interessa aceitar o que já é patente: que apenas uma mudança muito forte nos padrões de produção e consumo poderá mitigar a mudança climática e garantir para as futuras gerações um planeta onde se possa viver normalmente, respirando e se alimentando, como é do direito de todos.