13/12/2006 12:15
A Justiça Federal concedeu, no último dia 06 de dezembro, medida liminar em favor da Comunidade Remanescente de Quilombo da Ilha da Marambaia, contra ato abusivo e ilegal do INCRA no curso do processo administrativo de titulação das terras ancestralmente ocupadas pelas famílias quilombolas. A Associação da Comunidade dos Remanescente de Quilombo da Ilha da Marambaia (ARQIMAR) impetrou mandado de segurança coletivo no último dia 30 de outubro contra o Presidente do INCRA e o Superintendente Regional do INCRA no Rio de Janeiro, para fazer valer direitos constitucionais das famílias quilombolas da Marambaia.
O processo administrativo havia sido suspenso pelo INCRA, de modo abusivo e ilegal, para garantir que o Governo Federal pudesse conduzir negociações internas e tentar conciliar interesses divergentes existentes no próprio governo em torno da questão. Enquanto o Ministério da Defesa quer manter a área sob o domínio da Marinha, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA querem regularizá-la em nome da associação quilombola. Tais negociações vêm sendo conduzidas pela Casa Civil da Presidência da República e impedindo o andamento regular do processo administrativo, em prejuízo aos interesses das famílias quilombolas. Elas deveriam, ao contrário, ser públicas e contar com a participação da comunidade. O procedimento administrativo prevê um momento próprio para isso.
O procedimento para regularização das terras quilombolas está previsto no Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, editado pelo Presidente Lula no Dia da Consciência Negra daquele ano para fazer valer o direito constitucional inscrito no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, à titulação das terras de comunidades remanescentes de quilombos.
Uma das etapas necessárias do processo administrativo é a publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) dos técnicos do INCRA. O Superintendente Regional do INCRA no Rio de Janeiro chegou a publicá-lo no dia 14 de agosto de 2006, mas, por ordem superior, foi obrigado a anular sua publicação no dia seguinte. A ARQIMAR, com apoio da Campanha Marambaia Livre!, entende que essa decisão foi arbitrária, sem amparo legal e realizada sem que a comunidade fosse previamente ouvida. O mandado de segurança coletivo foi uma resposta da comunidade que visa assegurar a validade daquela publicação e, a partir dela, que o processo de regularização fundiária tenha prosseguimento.
Ao conceder a medida liminar, o juiz Dr. Pablo Zuniga Dourado, da 3a Vara da Justiça Federal no Distrito Federal, reconhece a violação de direitos da comunidade e ordena a suspensão dos efeitos do ato que anulou a publicação do RTID. Com isso, a publicação do dia 14 de agosto volta a ter validade. Cabe ao governo decidir se recorrerá da decisão judicial, para procurar cassar a medida liminar, ou encerrará a disputa judicial, dando continuidade ao processo administrativo e buscando assegurar o direito constitucional das famílias quilombolas.
A FASE/Projeto DESC e o COHRE encorajam o Governo Federal a não recorrer da decisão judicial e respeitar o direito humano à moradia e à terra da comunidade da Marambaia. O procedimento de titulação das terras quilombolas prevê um prazo de 90 dias para constestação do RTID, a partir de sua publicação, oportunidade em que o Ministério da Defesa e a Marinha poderão apresentar suas inconformidades. A garantia desse procedimento é uma exigência dos princípios da publicidade, impessoalidade, moralidade e legalidade administrativas. Além disso, uma demonstração de respeito ao princípio da dignidade humana.
Os conflitos dos quilombolas com a Marinha são antigos. A comunidade da Ilha da Marambaia é formada por 281 famílias, sendo que 174 vivem na ilha e outras 107 no continente, e está localizada no município de Mangaratiba, litoral sul do Rio de Janeiro. Ali vivem famílias remanescentes de antigos escravos abandonados após a falência do regime escravista no final do séc XIX. Nos anos 70, a Marinha brasileira instalou o Centro de Adestramento de Marinheiros (CADIM) e passou a realizar ações de treinamento militar nas praias, verdadeiro paraíso ecológico, perturbando a paz e o sossego dos moradores, prejudicando a pesca, desestabilizando suas fontes de sustento e suas relações sócio-culturais.
A comunidade da Marambaia reivindica o direito de permanecer em suas terras ancestrais sem que com isso venha a deslocar a Marinha de suas instalações. É para ter direito ao título de propriedade de parte da ilha que historicamente ocupam, os quilombolas reivindicam a possibilidade de terem suas terras tituladas através do procedimento administrativo previsto no Decreto 4.887/ 2003.
Fonte: Projeto Dhesc.