Mário Manzi*
05/05/2023 11:08

O Encontro “Nós: as águas – corpos-território em lutas por justiça ambiental” realizado em Brasília, organizado pela FASE, em conjunto com a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, encerrou-se nesta quinta-feira (05), após reunir representantes de comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, agricultores familiares, representantes de organizações sociais e do governo, para discutir a crise hídrica no Brasil e suas implicações sociais, ambientais e culturais.

Durante os três dias do evento, as pessoas participantes compartilharam experiências e denunciaram os problemas e conflitos que afetam suas comunidades, como a privatização dos rios, o uso de agrotóxicos e a falta de acesso à água potável.

Maiana Maia, do Grupo Nacional de Assessoria (GNA) da FASE, organizadora do encontro, deu ênfase à importância de unir movimentos e sociedade civil em torno de temas comuns e de usar a energia e a conexão simbólica das águas para fortalecer as lutas. “Não estamos criando uma agenda, mas reafirmando o compromisso com os movimentos que estão na luta por terra, saúde, soberania alimentar, agroecologia. Que essas lutas estejam mais evidenciadas, valendo-se da força de conexão das águas”, frisou.

Estruturas

“O combate ao racismo e ao machismo também é justiça hídrica, climática e alimentar”, enfatizou Ruben Siqueira ao apresentar o trabalho da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) para o público presente, na tarde do terceiro e último dia do encontro.

As falas dos participantes foram intensas e demonstraram a urgência da discussão sobre a proteção dos recursos hídricos e dos corpos-territórios. Davi Krahô, do sudoeste do Tocantins, expôs os problemas ligados à privatização dos rios pelos grandes produtores de soja e a presença de barragens que impedem a pesca e o deslocamento. “Só vamos cuidar quando estiver todo mundo contaminado e doente?”, questionou.

A situação de emergência é grave para os quilombolas. “O nosso povo está morrendo e muito rápido. Estamos vivendo um crime ambiental e não há reparação”, alertou Rosicleia Ferreira, de Abaetetuba (PA). Francisco Edilson Neto, camponês e agricultor da Chapada do Apodi (RN), destacou que as empresas do agronegócio cercaram as comunidades, que sofrem com o uso de agrotóxicos.

“A gente precisa viver, e viver dignamente”, ressaltou Adalgisa Maria de Jesus, a dona Nena, de Correntina (BA). Jaime Alves dos Santos, morador da vereda Grande de São Joaquim, na comunidade de Capoeirão Barra de Brejinho, no município de Januária (MG), destacou a importância do combate aos conflitos que ocorrem nas comunidades.

Durante as falas, foi evidenciado que a luta por justiça ambiental não é apenas uma questão técnica ou política, passa também por uma luta por direitos sociais e humanos fundamentais.

Escuta ativa

Representantes do governo também estiveram presentes para debater soluções, ouvir relatos e firmar compromissos com as populações afetadas, os movimentos e organizações presentes. Leosmar Terena, coordenador-geral de Promoção do Bem Viver Indígena, do Ministério dos Povos Indígenas, alertou para a importância fundamental da água para a sobrevivência das comunidades. “Antes de a gente pensar em plantar comida, a gente tem que plantar água”, afirmou, durante sua fala no encontro.

A secretária de segurança alimentar e nutricional do Ministério de Desenvolvimento Social, Lilian Rahal, destacou os embates diários que enfrenta para garantir a segurança hídrica das populações. “Estamos lutando diariamente para garantir o acesso à água e à alimentação para as comunidades mais vulneráveis”, disse ela.

Rahal ainda ressaltou o compromisso da atual administração em recompor um modelo que represente de maneira justa e igualitária todas as populações. “Estamos trabalhando para construir um modelo que contemple as diferentes representações das populações brasileiras e garanta seus direitos à segurança hídrica e alimentar”, afirmou.

Marcos Sorrentino, coordenador de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, destacou que é preciso que haja uma pactuação de estados nação para a permanência da humanidade neste planeta. “O estado hegemônico está sequestrado pelas forças de um modelo de consumo, que não contempla as diversidades de vidas existentes neste planeta”, alertou.

Para o coordenador, é fundamental assumir com toda ênfase a questão da sustentabilidade e pensar em soluções que garantam a sobrevivência de todas as espécies, incluindo a humana. “É preciso que haja um esforço conjunto para a criação de modelos sustentáveis que preservem a biodiversidade e garantam a sobrevivência de todos os seres que habitam o planeta”, concluiu Sorrentino.

Participação popular

Ao fim do encontro, outras vozes somaram-se ao momento de escuta. João do Cumbe, quilombola do Estado do Ceará, reforçou a importância do componente étnico racial na questão dos conflitos ambientais e instou os participantes a sensibilizarem o governo para que os povos e comunidades possam colocar suas demandas na mesa de discussão. “Nada sobre nós, sem nós”, afirmou, ressaltando a necessidade de respeito aos direitos e às diversidades.

Por sua vez, Joice Bonfim, secretária Executiva da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, alertou para um processo histórico e atual de imposição do estado brasileiro, que prioriza os interesses econômicos e financeiros em detrimento dos povos do Cerrado, com a destruição dos recursos hídricos como um dos pilares.

*Especial para FASE