06/12/2017 13:59
Fernanda Couzemenco¹
Vera é uma das lideranças envolvidas na organização das comunidades atingidas pelo Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros, mais conhecido como Porto Suape, um dos maiores do país. Como as demais lideranças da luta pelos direitos dos impactados pelo megaempreendimento (são quase 30 associações com essa finalidade), a pernambucana vive sob proteção do Estado devido às várias ameaças de morte que vem sofrendo. “Já passei por todo tipo de violação dentro de Suape. Estou lutando contra a morte constantemente, o sítio onde eu moro é cercado por homens armados e sempre ouço que ‘Suape quer a cabeça dela’. Mas aqui no Espírito Santo …”, interrompe por um momento. “Aqui é pior. Porque lá a ameaça é contra a vida dos líderes, mas aqui são muitos os ameaçados, é muito pior o que vocês passam aqui, a morte é mais eminente, são muitas pessoas vivendo em cima de bombas, porque poços de petróleo são bombas”, adverte.
Um pouco mais ao sul, o biólogo Leandro Sacramento, conhecido como Pel, trabalha, por meio da Universidade Federal de Sergipe (UFS), na assessoria a mais de 90 comunidades pesqueiras do litoral sergipano e norte da Bahia, como parte de um Programa de Educação Ambiental (PEA), atrelado ao licenciamento de atividades de petróleo e gás pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).
Algumas das comunidades que vivem essa triste realidade fora representadas no Seminário por suas lideranças, como a pescadora Silvia Lafaiete Pires, da Associação de Moradores, Pescadores, Agricultores e Marisqueiros da Comunidade São Miguel da Ilha Preta (Ampape), em São Mateus (norte do Espírito Santo), e as quilombolas Neuza Santos, da Associação Quilombola de Pequenos Produtores Rurais do Córrego da Angélica (AQPCA), e Joice Nascimento Cassiano, da Retoma do Linharinho. “A água é dessa cor aqui”, aponta Silvia para uma marca de tinta bem amarela em um papel de anotações. “Gruda na pele, parece um óleo”, complementa Neuza. “Às vezes até a água da prefeitura vem ruim, vem salobra”, conta a pescadora de São Mateus.
“Nas Retomas, nem carro-pipa chega”, diz Joice, que protesta contra as parcas e precárias ofertas de emprego com que a Petrobras procura cooptar as comunidades quilombolas. “Levam duas, quatro vagas de emprego pro quilombola cavar buraco e carregar cano pra irrigação, sendo que não tem água pra irrigar”, indigna-se.
Globalizar as lutas locais
A holandesa Ike Teuling, coordenadora da Campanha de Energia da organização internacional Amigos da Terra, chamou atenção, em sua palestra, para a importância crucial da divulgação de informações, das investigações jornalísticas e da união dos ativistas para a construção de uma “civilização pós-petroleira”, como define a educadora Daniela Meireles, da FASE no Espírito Santo.
Centrando suas ações de articulação comunitária na também holandesa Shell, a Amigos da Terra denuncia: a petroleira está presente em 70 países, onde mantém 92 mil empregos e produz quatro milhões de barris de petróleo por dia. É responsável por 1,7% do CO2 lançado no mundo, volume maior que todas as atividades econômicas brasileiras juntas. Com isso, lucrou US$ 4 bilhões em 2016. No mesmo ano, investiu US$ 3,6 bilhões na busca de novos poços de petróleo e apenas US$ 200 milhões em energias renováveis.
Arthur Walber Viana, também da Amigos da Terra Brasil, ressaltou a estratégia da organização de “globalizar as lutas sociais”. “Como a Shell age, é como a BHP Billiton age, como a Petrobras age”, disse. “Articulação é uma palavra-chave pra nós”, destacou Arthur.
De fato, diante de tanta opressão, da violência institucionalizada pela cultura petroleira, a união dos impactados, de todos os cantos do país e do mundo, é uma questão de sobrevivência. “Eu me solidarizo com vocês”, declarou a pernambucana do Cabo Santo Agostinho. “E volto mais fortalecida”, agradeceu.