12/06/2007 11:36
Jean Pierre Leroy
Assessor da Fase e coordenador do Projeto Brasil Sustentável e Democrático
A passagem do Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, nos convida a uma reflexão sobre o panorama da questão ambiental no Brasil. Ainda que o meio ambiente esteja presente em questões muito diversas, e por isso é impossível dar conta de todas elas neste editorial, não se pode evitar certos pontos. A opção pelo crescimento a qualquer custo vem gerando prejuízos sem precedentes em termos de poluição de recursos hídricos, contaminação de solos e do ar, perda de biodiversidade, redução dos nossos biomas e ecossistemas e de inaceitáveis violações e crimes conexos cometidos contra as populações que estão no caminho desse suposto desenvolvimento.
A nova onda da agro-energia é um destes grandes pontos de debate. Chamamos agro-energia aquilo que o governo quer classificar como biocombustível. Tal como a organização mundial Via Campesina, preferimos reservar o prefixo “bio” (vida) para denominar coisas que realmente signifiquem a manutenção da vida. A agro-energia e os agro-combustíveis se afiguram como a nova face do mesmo velho modelo de desenvolvimento. O que se vê é um anacrônico projeto de reproduzir, modernizando-o, o ciclo colonial da cana de açúcar como monocultivo em imensas extensões de terra. À concentração fundiária, somam-se técnicas de produção de alto impacto, como maquinários pesados, agrotóxicos, solos pouco protegidos, plantio em áreas frágeis, tais como nascentes. Um processo absolutamente inapropriado. A única chance de reverter essa tendência seria transformar o projeto de agro-combustíveis numa alternativa de desenvolvimento local, com a pequena produção familiar abastecendo os mercados locais com processos produtivos de baixo impacto e, ao mesmo tempo, mantendo a diversificação da sua produção. Mas o que se vê é a intenção de, mais uma vez, inserir o Brasil no mercado internacional como exportador de commodities, custe o que custar. E para isso, quando se pensa nos agro-combustíveis, se pensa numa economia de escala, aquela mesma que já conhecemos e que tantos danos causa ao meio ambiente e às poucas populações que ainda sobrevivem no campo.
Os riscos da política agro-energética não se resumem a agredir ainda mais a natureza. Como fica a sobrevivência da pequena agricultura se cada vez mais se criam áreas e mercados em que só o agrobusiness consegue atuar? Espremidas territorialmente e com poucas alternativas econômicas, as famílias do campo brasileiro continuam em processo de êxodo rumo às cidades. A chamada migração de retorno não reinstala no campo o camponês, e sim o profissional que pode participar dos processos do agrobusiness. E assim as grandes massas de camponeses deslocados (por fazendas, hidrelétricas, indústrias etc.) continuam contribuindo para a favelização das grandes e mesmo das médias e pequenas cidades. O fenômeno correspondente a isso, no meio rural, é a desertificação humana que estamos verificando. Além de vazio de matas e biodiversidade, o campo brasileiro está se tornando vazio de seres humanos. Os tapetes verdes das plantações, os paredões de eucalipto e outros sinais de ocupação empresarial do campo compõem uma paisagem sem gente. A valorização da produção de assentamentos da reforma agrária e demais formatos de pequena agricultura é um importante caminho para evitar a desertificação humana do interior. Porém, com novos e maiores ciclos de grande produção de commodities, como segurar o povo no campo? A agricultura familiar, local e de pequena produção é quem abastece boa parte do mercado interno com alimentos. Os riscos deste processo para a segurança alimentar de todos nós são iminentes, pois quem produzirá alimentos com diversidade o suficiente para toda a sociedade e com preços acessíveis? Felizmente, esta ainda é uma disputa.
Os fatores que vêm expulsando o homem do campo não estão restritos à região amazônica. Enquanto as preocupações se voltam para a Amazônia, fecham-se os olhos para o Cerrado e a Caatinga. Nestas regiões, acontecem os mesmos processos de deterioração das condições de vida devido a intervenções humanas de grande impacto socioambiental. O projeto de transposição do rio São Francisco ilustra a vontade de permanecer no modelo de desenvolvimento a qualquer custo. Já na década de 1980, ONGs e grupos populares organizados criticavam a visão hidráulica do nordeste, como se o problema fosse exclusivamente a existência de água e como se não houvesse soluções fora da política coronelista do cabresto e dos favores. Estas entidades afirmavam que o problema da água deveria incluir sistemas produtivos que garantissem a manutenção e sobrevivência das populações do semi-árido. De lá para cá, este debate evoluiu no sentido de novas iniciativas que provaram ser possível manter o homem no campo com acesso à água. A Articulação do Semi-Árido (ASA) é uma construção social de importância histórica no nordeste. Seu projeto “Um milhão de cisternas” deu tão certo que hoje é reconhecido como política pública pelos governos, os regionais e o federal. A opção de transpor o rio São Francisco significa consumir recursos que poderiam realizar uma verdadeira política pública para que todos tivessem água para viver e para produzir, pelo menos para a sobrevivência dos sertanejos. E o resultado previsto, ao invés de promover um desenvolvimento adaptado à região, é pensado para beneficiar grandes empreendimentos, como a exportação de frutas e flores, a carcinicultura e a siderurgia. Assim, vão se reciclando as antigas elites, se perpetuando no poder, e se formam outras, atualizando o velho coronelismo.
O governo demonstra muita energia para divulgar e tentar viabilizar o Plano de Aceleração do Crescimento – PAC. Mas onde está a vertente socioambiental de um programa potencialmente catastrófico nas suas componentes empresariais e de infraestruturas? Vejam o que acontece com o Proambiente, um programa de crédito diferenciado destinado aos pequenos produtores e agroextrativistas que leva em conta os serviços ambientais públicos (conservação dos ecossistemas, dos solos, da biodiversidade, das águas e das paisagens) que estes cumprem. Este programa nasceu de uma proposta de ONGs que atuam na Amazônia e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Pará. O problema é que o Proambiente não se transformou em política pública, e por isso não está no orçamento da União e tampouco está instituído por legislação adequada. Estes pontos nos fazem ver que, mesmo com mais consciência sobre problemas socioambientais, estamos a meio caminho. Em relação a 15 anos atrás, quando a Rio 92 abriu o debate que até hoje estamos travando, houve avanços. Mas conhecermos o problema não é suficiente. Agora, sob pena de perdermos algumas das condições de vida no planeta, é preciso encarar a sério o desafio de mudarmos nossos padrões de produção e consumo. Isso não se dará sem que “os de baixo”, os que anunciam novidades, sejam reconhecidos como cidadãos e cidadãs portadores do futuro.