13/01/2016 15:33
Localizada na província San Martin, a cidade de Tarapoto, no Peru, será o cenário do VIII Fórum Social Pan Amazônico (FSPA), possivelmente em abril de 2017. Sendo uma região marcada por disputas territoriais e pela expansão do agronegócio – com destaque para o monocultivo de dendê e para loteamento de grandes extensões de terra para o setor petroleiro, que coloca em risco fontes de água doce, além de trazer uma série de outros problemas – , Tarapoto foi escolhida estrategicamente para que a luta dos povos indígenas e de comunidades tradicionais possa ser fortalecida de forma a combater o processo de expropriação que avança naquela região. O FSPA está sendo articulado com o objetivo de acolher grupos que lutam em defesa da Pan Amazônia e pela garantia dos direitos de seus povos. A Série Entrevistas sobre a Amazônia¹, uma iniciativa do programa da FASE na Amazônia, traz reflexões com Rômulo Seoane e Ismael Vega, que compõem a comissão organizadora do evento.
É a primeira vez que o Peru vai sediar o FSPA. Como vocês estão encarando este desafio?
Ismael – Bom, no último Fórum Social PanAmazônico, realizado no Amapá, as organizações e instituições peruanas participaram ativamente e apresentaram todas as problemáticas e iniciativas dos movimentos sociais, organizações indígenas, em defesa de seus direitos, e acho que isso fez com que o Peru seja visto como um país que tem uma experiência e um conjunto de iniciativas e processos que são muito interessantes e que valia a pena o país realizar o próximo Fórum. Experiências como a que aconteceu em Bagua, os processos que vêm se desenvolvendo em relação às atividades extrativas e às mudanças climáticas tornam o Peru um país interessante para poder dialogar com outros países.
Rômulo – No Peru, há vários anos que os povos indígenas e amazônicos lutam pelo direito à consulta. Existe uma lei atualmente, mas ainda não é permitido que eles participem de forma adequada. O direito à consulta deve ser aplicado todas as vezes que tenham investimentos em relação à mineração e ao petróleo. E também há muitas lutas de enfrentamento ao extrativismo e aos grandes investimentos, não somente em relação à mineração e ao petróleo, mas também em relação à infraestrutura e aos agrocombustíveis. Existe uma organização mais ou menos forte que atua quando há problemas. Há também vários focos de resistência na costa e na parte andina. E também temos muita experiência em relação às organizações e apoios de ONGs e da igreja. Sentimos que podemos organizar junto com os movimentos sociais o Fórum.
Expliquem um pouco sobre a atual conjuntura política do Peru frente aos conflitos territoriais.
Rômulo – No Peru, assim como em outros países dessa região, vem sendo implementado há muitos anos, há mais de 20 anos, um modelo de desenvolvimento e de crescimento baseado em grandes investimentos privados, orientados à extração de recursos naturais. E também em relação aos megaprojetos e grandes obras de infraestrutura. Esse modelo de desenvolvimento afeta principalmente setores como os povos indígenas amazônico e andino. Como precisa de leis e normas e de um marco jurídico que deem legitimidade a esse modelo de crescimento, o governo atual do senhor Ollanta Humalá está implementando um conjunto de leis que chamamos de pacote ambiental, ou pacote que simplesmente facilita a extração desses recursos naturais a custa dos direitos dos povos originários e dos povos indígenas, e também em detrimento do ambiente. O que vem acontecendo no Peru é que o governo atual, assim como os governos anteriores, está dando todas as facilidades aos setores empresariais e grandes grupos econômicos para que possam investir em zonas rurais da Amazônia e da serra do Peru a fim de extrair recursos naturais, monopolizar a terra, promover monocultivos, fazer grandes projetos de infraestrutura, mas sem levar em conta os direitos dos povos indígenas previstos nos tratados internacionais, como a Convenção 169, sem levar em conta também os tratados e leis nacionais. Os principais direitos afetados são os territoriais, de participação e de consulta dos povos indígenas. Atualmente, na Amazônia peruana, quase 80% do território já estão outorgados às empresas petroleiras. Quase todos os blocos ou lotes petroleiros que o governo outorgou às empresas afetam os territórios das comunidades nativas e originárias. Essa situação vem gerando protestos e conflitos socioambientais que têm ocasionado, inclusive, mortes por conta da resistência dos povos e dos movimentos. Digamos que isso vem acontecendo de forma geral no Peru. É certo que esse governo aprovou a Lei da Consulta Prévia, que vem sendo implementada atualmente com um conjunto de problemas e limitações que não permitem o exercício adequado desse direito e, sobretudo, porque grande parte do território já estava sendo operado pelas empresas antes da aprovação da lei e o governo não tem vontade de revisar esses contratos. Ao contrário, o governo tem implementado leis para que as empresas continuem atuando sem problemas e obstáculos em detrimento dos direitos dos povos indígenas e do ambiente. O outro problema simultâneo é que os empresários e governos acusam os povos indígenas, os ecologistas, as ONGs e a igreja de atrasarem o desenvolvimento.
Como está se dando a articulação dos movimentos sociais em contraposição a essa lógica de financeirização da natureza?
Ismael – A articulação dos movimentos sociais se expressa, sobretudo, em nível local e regional. Ainda não há uma grande articulação nacional dos movimentos sociais, muito menos internacional ou continental. Essa articulação nacional é, todavia, insuficiente e limitada. No entanto, ainda que deficiente, proporcionou um conjunto de demandas e conquistas, sobretudo em relação à incidência política em respeito às medidas que o governo e o Estado em geral vêm implementando. E isso foi acontecendo através de pronunciamentos, mobilizações e demandas contra o Estado, como paralisações e protestos sociais que ocorrem em regiões do interior do país em que participam organizações nacionais. Aí é onde se expressa a articulação. Há várias organizações indígenas nacionais e regionais que atualmente vêm processando o Estado por causa do descumprimento dos seus direitos. São demandas contra uma das últimas leis aprovadas pelo Estado, porque não se respeitou os seus territórios nem os seus direitos de serem consultados. Há um nível de organização, mas é importante que se avance em nível nacional e internacional. Acredito que o Fórum Social Pan Amazônico busca esse objetivo de fortalecer essa articulação em nível continental e internacional.
Porque a cidade de Tarapoto foi escolhida para sediar o FSPA? Há alguma motivação politicamente estratégica para isso?
Ismael – É um território onde já aconteceram muitas lutas e resistências. Também conseguimos barrar alguns projetos [baseados na exploração dos povos e de recursos da natureza]. Há também um governo que de alguma maneira tem tratado de promover o desenvolvimento sustentável. É um lugar central, de fácil acesso, onde se pode chegar por estrada e de avião. Está a duas horas de um rio grande e navegável. Está na zona oriental do Peru, onde há um esforço de articulação de organizações amazônicas e andinas.
Que convite vocês fazem para a participação no FSPA no Peru?
Rômulo – Acreditamos que vai ser um bom encontro voltado a todos e todas que estão preocupados em defender a Amazônia, a cultura e os direitos, para ver que saídas podemos encontrar a fim de que este território seja controlado pelas próprias organizações indígenas e amazônicas, para que elas decidam sobre seu território e para pensar também em formas de cuidar mais dos recursos da natureza. Este é um grande momento para articular agendas, organizações, bem como encontrar saídas [frente à atual realidade].
Ismael – O Fórum vai ser muito importante porque vão ter eleições presidenciais no Peru em abril. Em julho, começa o novo governo. Assim, o Fórum também vai ser uma boa plataforma para exigir do novo governo e dos novos governos dos países da região [Amazônia] o cumprimento de uma agenda de compromissos, em especial com os povos indígenas.
Clique na imagem e acesse a entrevista diagramada:
[1] Entrevista realizada pela FASE com o apoio do Fórum da Amazônia Oriental (Faor) e da Fundação Heinrich Böll (HBS).