25/05/2021 18:40

No dia 30 de abril, a Cedae, maior empresa pública do estado do Rio de Janeiro, foi leiloada. Duas megacorporações ligadas ao mercado financeiro arremataram três dos quatro blocos oferecidos. O leilão ocorreu em meio a uma disputa de liminares que desautorizaram o poder legislativo do Rio de Janeiro que, por meio do DL nº 16 de 29 de abril de 2021, havia suspendido a venda da estatal.

A partir do trabalho de pesquisa e investigação sobre as estruturas acionárias das empresas, matérias veiculadas na grande mídia e comunicados ao mercado por parte das empresas, foram mapeados alguns dados que apontam para possíveis fraudes no leilão da CEDAE. O consórcio Agea enviou proposta para os blocos 1, 2, 3 e 4, tendo retirado a
proposta ao bloco 3 no momento do leilão. Ao final, levou os blocos 1 e 4. Este consórcio tem entre seus controladores o Fundo Soberano de Cingapura (GIC), a Corporação Financeira Internacional (IFC, do Banco Mundial) e o grupo Itaú.

O consórcio Iguá enviou proposta para os blocos 1 e 2, e ao final levou o bloco 2. Este tem como controladores o Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) e o BNDESPAR, braço de participações do BNDES, responsável pela modelagem do leilão, o que levanta a hipótese sobre acesso à informação privilegiada. Já o Consórcio Redentor, participante derrotado do leilão da CEDAE, foi liderado pela Equatorial Energia (empresa de geração, transmissão e distribuição de energia), que, por sua vez, tem como controladores o Fundo de Investimento Canadense CPPIB e o GIC. É preciso ressaltar que o grupo Itaú, que também participou do leilão, participa do capital da Equatorial Distribuição, uma subsidiária da Equatorial Energia. O Consórcio Redentor enviou proposta para os blocos 1, 2 e 4 e não levou nenhum. Curioso notar que GIC, CPPIB e Itaú atuam também com participações comuns na Cyrela, uma das maiores incorporadoras imobiliárias do país.

Note que as supostas concorrentes no leilão da CEDAE, a Iguá Saneamento e a Aegea possuem controladores comuns aos controladores do Consórcio Redentor, como o CPPIB e GIC e Itaú, respectivamente. O entrelaçamento entre os proprietários dos três consórcios põe em questão a ocorrência de uma efetiva concorrência no leilão, sugerindo que possa ter havido acordo prévio entre os ditos consórcios, o que configuraria fraude.

No caso da participação do grupo Itaú na Aegea, chama a atenção o fato de que o grupo adquiriu 10% do capital dessa empresa de saneamento, no valor de R$1,3 bilhão, três dias antes do leilão. Destaque também para a atuação de pessoas ligadas ao Itaú, financiando tanto a criação do partido NOVO quanto o diretório estadual do partido na eleição de 2018, favorecendo as campanhas de deputados estaduais como os deputados Alexandre Freitas e Adriana Balthazar, ambos do partido que entraram com mandado de segurança para a suspensão dos efeitos do DL 16/2021.

Entre os pontos abertos por esta breve descrição, e que podem ser elementos de investigação, destacam-se: a apuração de qual foi o real interesse da Equatorial Energia, sem qualquer atuação na área de saneamento, em participar do leilão da Cedae; e a investigação sobre relação entre o Consórcio Redentor e as duas empresas vitoriosas no leilão. O trabalho de pesquisa e investigação demonstrou que há um entrelaçamento entre os proprietários da Equatorial e os da Aegea e Iguá, botando em dúvida a lisura do processo de concorrência pública.

O quarto consórcio que participou do leilão, o Rio Mais Operações de Saneamento, reunia a BRK Ambiental e a Águas do Brasil. A BRK, Aegea, Iguá e Águas do Brasil, controlam mais de 80% do mercado privado de saneamento no país.
Embora também derrotada no leilão da Cedae, a BRK Ambiental já havia sido contemplada na primeira privatização de saneamento do governo Bolsonaro, ocorrida em 2020, da Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL). Na sequência, ocorreu a segunda privatização em Cariacica, no Espírito Santo, e a empresa vitoriosa foi a Aegea. Ou seja, no contexto recente de privatizações no setor, já se observa uma alternância entre as três maiores do setor na vitória em leilões.
Assista a reportagem feita pela TVT.

Leilões e contradições

Considerando que já estão previstos para este ano mais três leilões de saneamento (estados do Amapá, Rio Grande do Sul e no município de Porto Alegre), existe grande chance de que as quatro gigantes do setor sigam se alternando no controle das empresas privatizadas.

Outro ponto que pode ser tópico de investigação é o Canadian Union of Public Employees (CUPE), maior sindicato do setor público do Canadá, que está exigindo que o Plano de Pensão Público Conselho de Investimentos do Fundo de Pensão Canadense (CPPIB, na sigla em inglês), abandone os planos para investir em um grande esquema de privatização da água no Brasil, especialmente na compra da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE). “É ultrajante que nosso plano de previdência pública esteja usando os fundos de aposentadoria dos trabalhadores para lucrar com a necessidade das pessoas por água potável e tratamento de esgoto seguro. Esses são direitos humanos essenciais para a sobrevivência. O acesso aos serviços de água já é frágil e desigual no Brasil. A privatização vai piorar as coisas e queremos que ela seja eliminada”, disse o presidente nacional do CUPE, Mark Hancock.

Por fim, o BNDES, que estruturou o modelo de privatização da Cedae, controla 11% do capital da Iguá Saneamento; com o leilão o estado do Rio de Janeiro irá arrecadar R$ 22 bilhões, R$ 18 bilhões deste total serão financiados pelo próprio BNDES; o lucro anual da Cedae é de 1 bilhão, ou seja, ela própria remunera o estado em menos tempo que os 35 anos da concessão.