08/02/2008 15:02
A Relatoria do Direito Humano à Moradia Adequada e à Terra Urbana , da Plataforma de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambinetais apresenta os resultados da Missão que investigou denúncias de violação ao direito à moradia e à cidade junto à comunidades do Município de Rio Grande(RS). A denúncia foi enviada à Relatoria pelo Fórum Nacional da Reforma Urbana (Regional Sul), Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos – COHRE, Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM e as associações e comunidades dos Bairros Getúlio Vargas, Barra Nova, Barraquinhas, Cidade de Águeda, Santa Tereza e Mangueira. A maioria das famílias destas comunidades vive diretamente ou indiretamente da pesca, em especial da pesca oceânica. O poder público local iniciou projeto para ampliação do Porto do Rio Grande, o que implicará na remoção de cerca de 1000 famílias que moram próximas às áreas de intervenção. Os projetos elaborados e apresentados, até o momento, pela Superintendência do Porto do Rio Grande, prevêem o realocamento das famílias para áreas mais distantes do mar ou onde o mar é mais agitado, o que impediria o desenvolvimento de seu trabalho.
Estas comunidades pesqueiras se desenvolveram na costa oceânica, ponto geográfico que facilita a prática pesqueira e possibilita às embarcações chegarem à costa com segurança. No entanto, todas estas áreas na linha de costa são de propriedade da União, que atualmente está cedida ao Estado do Rio Grande do Sul, para exploração pela Superintendência do Porto do Rio Grande.
Nesse sentido, os movimentos e organizações vêm buscando dialogar com a Superintendência do Porto de Rio Grande a fim de discutir sua expansão e evitar a remoção das famílias. Os movimentos denunciam também a falta de articulação com os órgãos públicos responsáveis pela garantia do direito à moradia, dentre eles a Prefeitura Municipal e o Governo do Estado, inexistindo qualquer canal de interlocução com as lideranças locais ou com os moradores de baixa renda em situação de moradia precária.
A presente missão foi realizada nos dias 18 e 19 de novembro. Foram visitadas as seguintes comunidades: Barra Nova, Barraquinhas, Mangueira, Cidade de Águeda, Getúlio Vargas e Santa Tereza. No dia 19 foi realizada Audiência Pública no auditório da FURG – Fundação Universitária do Rio Grande, contando com a presença de diversas autoridades, entre estas representantes da Superintendência do Porto de Rio Grande, Secretaria Municipal de Planejamento, Câmara de Vereadores, Caixa Econômica Federal, Procuradoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público Estadual, Procuradoria Regional de Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Pró- Reitoria de Extensão da FURG e representantes das comunidades e movimentos, oficializando as denúncias de violações de direito à moradia realizadas e identificadas durante a missão.
Os dados e relatos apresentados no Relatório contaram com a intensa colaboração da COHRE – Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos, em especial do advogado Cristiano Muller e da arquiteta Karla Fabrício Moroso, ambos consultores da organização.
Resultados da Missão:
Com base no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e outros documentos normativos internacionais e a partir da análise dos resultados e informações obtidas na cidade do Rio Grande, a Relatoria Nacional para o Direito Humano à Moradia Adequada e à Terra Urbana do Projeto Relatores da Plataforma DhESCA registrou várias violações que fere os direitos humanos como a falta de:
I. Política pública de habitação que garanta os interesses da população com menor rendimento econômico, sendo explicito o interesse do desenvolvimento econômico em detrimento do desenvolvimento social;
II. Condições humanas de habitabilidade, de sustentabilidade e de segurança para as famílias que moram nas comunidades da cidade e que vivem em constante medo pelas ameaças de despejos;
III. Informações precisas dos projetos de ampliação do Porto do Rio Grande, não sendo
apresentados nem discutidos com a comunidade que será atingida;
IV. Garantia do direito à cidade pela população de baixo poder econômico que estão ameaçadas de serem realocadas em lugares longínquos;
V. Informações precisas dos projetos habitacionais na cidade de Rio Grande, não sendo
apresentados nem discutidos com a comunidade que será atingida;
VI. Respeito humano pela exclusão social imposta às famílias assentadas na Cidade de Águeda;
VII. Respeito aos direitos humanos e atuação arbitrária, de acordo com as denúncias apresentadas pelas comunidades;
VIII. Intimidação contra a organização dos moradores, que lutam em defesa de seus direitos;
IX. Ameaça psicológica aos moradores das comunidades visitadas pela relatoria;
X. Ausência de ações de cunho social voltada à expansão da renda familiar e a melhoria das condições das famílias economicamente vulneráveis na Cidade de Águeda;
XI. Implementação do direito a educação pela falta de unidades escolares para atender o grande número de crianças existentes na Cidade de Águeda;
XII. Garantia do direito à educação das crianças que trabalham nos galpões de pesca e estão fora das escolas; (Verificou-se que em alguns galpões que trabalham com a pesca a existência de trabalho infantil, conforme informações dos funcionários dos locais visitados, são filhos de pessoas que trabalham ali e as crianças recebem o mesmo valor que as mulheres (cerca de 40 por período de 6 horas, além das refeições). Há notícias de que as crianças que trabalham nos galpões não freqüentam escolas.)
XIII. Efetivação do direito a saúde pela falta de saneamento básico e de unidade de atendimento à saúde e o baixo nível econômico da população, sendo que um grande número de famílias está abaixo da linha de pobreza;
XIV. Garantia do direito de ir e vir pela falta e/ou inadequação do transporte público e outras violações presentes nos bairros;
XV. Efetivação do direito à moradia adequada, com várias famílias residentes em casas horizontais ameaçadas de serem realocadas em apartamentos;
XVI. Respeito ao direito ao trabalho, com ameaça das famílias dos pescadores que forem removidas para lugares longínquos perderem seu meio de sobrevivência
RECOMENDAÇÕES SUGERIDAS PELA RELATORIA DO DIREITO HUMANO À MORADIA ADEQUADA E TERRA URBANA
A realidade vivida pela população de baixa renda da cidade do Rio Grande fez com que a Relatoria da Moradia sugerisse várias recomendações ao Estado e aos representantes da sociedade civil organizada. Considerando que a moradia é um direito constitucional, recomenda-se ao Estado o respeito e garantia a este.
Também o Estatuto das Cidades estabelece obrigações estatais para a efetivação do direito à moradia adequada e à cidade digna, cabendo ressaltar a exigência dos planos diretores, discutido em audiências públicas, e dos Conselhos das Cidades, como mecanismos de uma política urbana pautada pela gestão democrática das Cidades.
A Relatoria Nacional da Moradia realça que o Brasil está inserido no sistema internacional de proteção dos direitos humanos e dentre os órgãos ligado à ONU temos o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Em 1991, este comitê emitiu uma resolução definindo que o direito à moradia adequada engloba não só a questão da habitação, mas sim uma condição de vida digna que tem relação direta com a efetivação de vários outros direitos humanos.
Aos participantes da audiência pública:
Quanto ao Monitoramento a relatoria propôs a criação de uma Comissão Permanente de Prevenção, Acompanhamento e Monitoramento dos Conflitos Fundiários com representantes das comunidades, das entidades e das instituições públicas que participaram da Audiência pública e que lutam pelo direito à moradia e a cidade no Rio Grande.
À Prefeitura, Governo do Estado e Governo Federal:
Quanto à expansão do Porto do Rio Grande:
i. Que todo e qualquer projeto ao ser elaborado, assim como as e obras a serem executadas, sejam apresentadas e discutidas com a comunidade a ser atingida, de maneira que o Porto fortaleça o dialogo com a comunidade;
ii. Que a administração do Porto e a Prefeitura garantam o direito à informação das comunidades que serão atingidas pela expansão portuária, o direito à moradia e o direito à cidade das famílias que moram na região, bem como o direito ao trabalho das famílias que vivem da pesca e que moram nas comunidades visitadas;
iii. Que todos os processos administrativos ou judiciais que visam ao deslocamento forçado das comunidades da Barra Nova, Santa Tereza, Mangueira, Barraquinhas e Getúlio Vargas sejam suspensos;
Quanto às comunidades Barra Velha, Mangueira, Barraquinha, Bairro Getúlio Vargas e Santa Tereza
i. Estabelecimento de convênio de cooperação técnica entre a União, por meio do Ministério das Cidades, visando o desenvolvimento de ações conjuntas destinadas a qualificar e acelerar o processo de regularização fundiária em Rio Grande;
ii. Assessoria jurídica da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul para as comunidades das vilas relacionadas para CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA individual ou coletiva;
iii. Urbanização adequada para as comunidades de forma que seja garantido o convívio social das famílias que ali vivem há décadas;
iv. Garantia das características culturais e sociais das famílias que vivem há décadas nas
comunidades; garantia do direito ao trabalho das pessoas que vivem da pesca e da coleta de material reciclável; e garantia do direito à educação das crianças das comunidades;
Por fim. a Relatoria sugere ampla participação do Governo Federal através do Ministério das Cidades, da Caixa Econômica Federal, da Casa Civil, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Secretaria de Patrimônio da União e do Ministério Público Federal para cessar as violações dos DhESCA na cidade de Rio Grande.
Saiba mais sobre as Relatorias Nacionais em DhESCA::
O Projeto Relatores nasce a partir da constatação da inexistência de mecanismos ágeis de monitoramento para realização destes direitos no país, da necessidade de participação efetiva da sociedade para sua implementação, como também da avaliação de que a cultura de direitos é ainda frágil na sociedade brasileira, e especialmente dos DhESCA. O Projeto estimula a ação organizada de cidadãos para exercerem o direito de participar, afirmando a exigibilidade e o exercício dos direitos humanos, e democratiza a gestão do Estado aproximando-o de suas demandas e necessidades, potencializando a capacidade cidadã de influência na esfera pública.
Por meio dos Projetos Relatores, a Plataforma busca dar atenção especial à concretização dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais, vindo a contribuir para a ampliação do significado prático desses direitos na nossa sociedade. O Projeto no seu conjunto exerce uma ação que poderíamos denominar de vigilância da gestão integral do Estado. Seu objetivo é funcionar como instrumento de ampliação da exigibilidade dos DhESCA no Brasil, tendo em vista sua realização integral
(promoção, proteção e reparação) para todos e todas.
O Projeto Relatores, através de suas Relatorias vem atuando sistematicamente na luta em defesa dos direitos humanos, constitui, sem dúvida, um instrumento de exigibilidade e justiciabilidade da sociedade civil em comprimento à Constituição Federal e aos pactos assinados pelo governo brasileiro.
As Relatorias devem ser entendidas em função da condição de fragilidade e de subvalorização dos direitos humanos pelo Estado Brasileiro frente às obrigações definidas na Constituição Brasileira e assumidas com a adesão aos tratados internacionais de proteção dos direitos decorrentes da dignidade humana. Muitos são os desafios para a garantia dos direitos humanos e para a consolidação dos seus instrumentos de exigibilidade e justiciabilidade em nosso país.
COMUNICADO DA RELATORIA:
Imprensa do Estado do Rio Grande do Sul comete equívoco
Na época da realização da Missão, órgãos da imprensa do Estado do Rio Grande do Sul publicaram equivocadamente que a Relatoria era de responsabilidade da ONU. Assim como em todas as missões e atuações da Relatoria, esta apresenta-se sempre como Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – DhESCA BRASIL e em especial o Projeto Relatores, sua missão, objetivos e estratégia de ação. Além disso,é mencionado o apoio e a parceria do Programa de Voluntariado das Nações Unidas e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal. Porém, alguns órgãos da imprensa local não compreenderam e publicaram como se a Relatora fosse representante do Programa da ONU. Tal equívoco causou um grande mal entendido.
Leia abaixo o Comunicado Oficial da Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana quanto à missão em Rio Grande – RS
RELATORIA NACIONAL DO DIREITO HUMANO À MORADIA ADEQUADA E TERRA URBANA
PROJETO RELATORES NACIONAIS
Apoio: Programa de Voluntariado das Nações Unidas – UNV/PNUD e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PGR/MPF
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Esclarecimentos da Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana quanto à missão em Rio Grande – RS
A Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana vem esclarecer a situação gerada pela Missão de Investigação à cidade do Rio Grande em relação à vinculação do Projeto Relatores à Organização das Nações Unidas e à atuação pública da Relatora e do Assessor.
Assim como em todas as missões e atuações desta Relatoria, apresentamos a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – DhESCA BRASIL e em especial o Projeto Relatores, sua missão, objetivos e estratégia de ação. Além disso, mencionamos o apoio e a parceria do Programa de Voluntariado das Nações Unidas e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal.
É importante frisar que esta forma de apresentação é feita em nossas manifestações públicas, relatórios e na carta convite para a missão encaminhada a todas as autoridades locais e nacionais. A parceria com a UNV sempre é mencionada em conjunto com a Procuradoria Federal, citando-se inclusive o apoio da Dra. Ela Wiecko nas atividades da Relatoria.
Em relação à missão Rio Grande, o trecho que mencionava o Programa UNV no convite encaminhado para o Governo Federal, Estadual e Municipal, bem como Poder Legislativo Estadual e Municipal e Ministério Público consistia no seguinte texto:
“As Relatorias Nacionais DhESCA têm por objetivo contribuir para que o Brasil adote um padrão de respeito aos direitos humanos com base na Constituição Federal e nos tratados internacionais de proteção dos Direitos Humanos ratificados pelo país, através da nomeação de especialistas relacionados a direitos específicos (educação, saúde, alimentação, moradia adequada, trabalho e meio ambiente). Este projeto é coordenado pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Voluntariado (PNUD/ONU), da Secretaria Especial de Direitos Humanos e da Procuradoria Federal do Direito do Cidadão.”
Conforme informações recebidas dos movimentos locais parceiros na realização da missão, em especial as associações comunitárias, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia e o COHRE – Centro pelo Direito à Moradia contra os Despejos, no dia seguinte à realização da audiência pública a Prefeitura Municipal e a Câmara de Vereadores questionou a legitimidade da Relatoria e o vínculo com a ONU.
Este vínculo, em nenhum momento, foi afirmado pela Relatoria, embora tenha sido divulgado na imprensa local. Cabe ressaltar que o Secretário de Planejamento da Prefeitura Municipal e um vereador da Câmara estavam presentes na audiência pública e já haviam se reunido com a Relatoria em momentos anteriores durante a missão. Em nenhuma das oportunidades a Relatora ou o Assessor foram questionados acerca de seu vínculo com a ONU, exatamente pelo fato da primeira fala na audiência pública ser a apresentação da Plataforma DhESCA BRASIL, do Projeto Relatores e a referência às parcerias institucionais do projeto.
Além destas autoridades, contamos com a presença, durante a audiência pública, de representantes da Superintendência do Porto de Rio Grande, Caixa Econômica Federal, Procuradoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público Estadual em Rio Grande, Procuradoria Regional de Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal e Pró-Reitoria de Extensão da FURG – Fundação Universitária do Rio Grande. Todas estes representantes, bem como outros órgãos não presentes, foram convidados por meio de um convite eletrônico no qual constava o texto acima apresentado.
No entanto, as graves violações do direito à moradia e à cidade verificadas e denunciadas em Rio Grande geraram como polêmica a vinculação da Relatoria à ONU. Situações como como a precariedade e péssimas condições humanas que estão submetendo as famílias moradoras do conjunto habitacional Cidade de Águeda foram denunciadas como o pavor de cerca de 10.000 pessoas ameaçadas de despejo pela expansão portuária e que podem ser removidas para esta área – sendo este o grande projeto habitacional da prefeitura.
Dessa forma, estamos finalizando o Relatório da Missão Rio Grande, consolidando todas as violações e denúncias verificadas na cidade, e esperamos com a presente carta esclarecer qualquer polêmica gerada pela imprensa ou por autoridades locais descontentes com o papel desempenhado pela Relatoria em Rio Grande em defesa da dignidade das famílias ameaçadas de despejos.
Atenciosamente,
Lúcia Maria Moraes
Relatora Nacional pelo Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana
Marcelo Dayrell Vivas
Assessor da Relatoria Nacional para o Direito à Moradia Adequada e Terra Urbana
Voluntário das Nações Unidas – UNV/PNUD