Rosilene Miliotti
11/08/2022 21:03

Rosilene Miliotti

Escuta, denúncia, acolhimento e fortalecimento. O VII Seminário Nacional da Campanha Antipetroleira Nem um Poço a Mais reuniu ativistas, militantes, lideranças comunitárias, pesquisadores e pessoas ameaçadas pela indústria do petróleo do Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Argentina e Angola, para atualizar o diagnóstico de impactos e violências causadas pela expansão petroleira, trocar experiências e estratégias de luta e resistências.

De 4 a 7 de agosto, Piúma e Presidente Kennedy, no sul do Espírito Santo, receberam lutas e vozes de pessoas de territórios submetidos à condição de zonas de sacrifício, resistentes contra a petrodependência, greenwashing e carbono neutro. Na atividade houve muita troca de experiências e de estratégias de transição, uma celebração à resistência.

Daniela Meirelles. Foto: Rosilene Miliotti

O local e data escolhida para a realização da atividade tem a ver com a construção de um novo porto na região, o Porto Central, um empreendimento que vai inviabilizar a pesca no rio, no mar  em alagados da região e a romaria das Neves, segunda maior do Estado. A igreja de Nossa Senhora das Neves foi construída em 1648 e é patrimônio cultural. Essa construção também vai suprimir áreas de preservação permanente (APPs).

Na ação realizada durante a celebração da missa, no dia 5, ficou evidente que a população local não sabe sobre a construção e seus impactos para o Santuário das Neves e o entorno. “Foi impressionante ver como muitos não sabiam desse projeto. Principalmente os romeiros manifestaram indignação. Se esse projeto se instalar ali, a Romaria das Neves ficará inviável”, explica Daniela Meireles, educadora da FASE no Espírito Santo, uma das organizações da Campanha Nem um Poço a Mais.

O professor do Instituto Federal Fluminense (IFF) em Bom Jesus do Itabapoana, norte do Rio de Janeiro, e vice-coordenador da ONG Reflorestamento e Ecodesenvolvimento do Itabapoana (Redi), Carlos Freitas questiona para quê mais um porto. “É importante que as pessoas entendam a importância da preservação restinga, porque ali existem elementos, plantas e animais específicos daquela localidade. Essas plantas são essenciais para que a região tenha uma saúde, não só o rio Itabapoana, mas o mar também. A retirada dessa vegetação para construção do porto, será totalmente impactada. Nós identificamos espécies de plantas ameaçadas de extinção. Não compensa mais esse empreendimento aqui. Pra quê outro porto desse porte, se há poucos quilômetros temos o Porto do Açu?”, questiona.

Foto: Rosilene Miliotti

Porto de incertezas

Flavia Bernardes, educadora da FASE no estado, ressalta que há previsão que o porto atraia mais de 4 mil trabalhadores para a região, o que vem preocupando os moradores visto que a experiência nas demais regiões portuárias. “Com a chegada de um porto, ou um novo empreendimento desse porte, chegam também muitos problemas. Aumentam os casos de violência contra as mulheres, há inchaço populacional e com isso a sobrecarga dos equipamentos públicos e há ainda a formação de bolsões de miséria após a obra do empreendimento. Não há garantias de desmobilização destes trabalhadores e de retorno para seus territórios. Assim como também não há garantias de empregos para a população local. O que se vê são promessas vazias e que atropelam o modo de vida local, como é o caso da pesca, por exemplo”, alerta.

“Pescadores do Itabapoana já estão impactados pelas barragens. Desde a construção da Usina de Rosal, em 1999, eles já estão sofrendo. Depois vieram as pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), são três. A piracema foi interrompida. O Porto Central está previsto para se instalar há uns dois quilômetros da foz, há cerca de 200 metros de uma área de restinga e alagados. A salinização desses ambientes é um fato, caso seja construído”, explica Carlos.

Marcelo Calazans, coordenador da FASE no ES, fala sobre o caráter especulativo e político do empreendimento. “Estamos a 50km do Porto Açu [em São João da Barra], em operação desde 2014, um porto que não tem nem um terço de uso, mas já causou muitos impactos. Para que um porto tão próximo um ao outro? Não faz sentido”, questiona. Além do Porto Central, o estado está na mira da indústria petroleira com projetos de mais de duas dezenas de outros empreendimentos de grande porte, de norte a sul do litoral. “É uma economia ainda em expansão”, pontua.

O Porto do Açu, no litoral norte do Rio de Janeiro, a apenas 50 km do Porto Central, é um exemplo. “O Porto do Açu desapropriou uma área muito maior do que realmente tem usado”, comenta o pesquisador Marcos Pedlowski, da Universidade estadual Norte Fluminense (UENF). “É possível que o interesse dos portos e outros empreendimentos petroleiros seja muito mais pela terra. Fazem desapropriações, destroem casas e territórios, são casos flagrantes de destruição da história das pessoas, de suas memórias”.

Entre os relatos dos participantes do encontro, era possível notar que, sistematicamente, essas pessoas sofriam intimidações. Eles e elas, lideranças comunitárias, pessoas que vivem com o risco da denúncia exemplificaram como essas violações acontecem de forma repetida. “O método é o mesmo, o que muda é o local. Não há por parte do Estado, interesse em acolher essas denúncias. A proteção tem sido feita, sobretudo, pela sociedade civil e movimentos de direitos humanos”, relata.

Pré-candidatos ao legislativo pelo Espírito Santo ouvem denúncias e cobranças. Foto: Rosilene Miliotti

Ao final do encontro, pré-candidatos de diferentes partidos ouviram as denúncias e foram cobrados, caso eleitos, de fazer diferente. Estiveram presentes Ana Paula Rocha, Anne Helene, Camila Valadão e Gilbertinho Campos, todos do PSOL, e Mauricio Abdalla e o assessor de Iriny Rogério, ambos do PT.

“Estou sangrando. Cheguei sangrando, mas depois de ouvir os companheiros, estou sangrando mais. Só que eu não quero mais sangrar sozinho. Vocês precisam nos ouvir e fazer alguma coisa. Se alguém acha que somos radicais quando falamos ‘nem um poço a mais’, deve vir para o meu lugar e sentir o que sinto”, pede o pescador com a voz embargada.