28/04/2008 20:57

Fausto Oliveira

É de apenas poucos anos para cá que o país vem se dando conta de um importante segmento social que existe desde o século 19: as populações quilombolas. Isto porque foi apenas em 2003 que um decreto da Presidência da República regulamentou um artigo da Constituição de 1988, instituindo normas para que estas comunidades pudessem ser culturalmente reconhecidas e, feito o reconhecimento, tivessem direito à posse definitiva das terras que ocupassem tradicionalmente. Algumas comunidades já obtiveram o título de posse definitiva, mas a maioria ainda vive o drama do conflito por terra. Por isso, entidades sociais de diversas naturezas, como a Fase, vêm auxiliando comunidades quilombolas. Em nosso caso, no Rio de Janeiro, Espírito Santo e no Pará. Neste último, acaba de acontecer um encontro de comunidades que foi um marco na organização dos quilombolas paraenses.

Em quatro dias, em Belém do Pará, reuniram-se cerca de 100 comunidades quilombolas das regiões oeste e nordeste do estado. A necessidade de um encontro como esse era evidente. As condições precárias em que estão vivendo as comunidades no Pará, mesmo aquelas que já têm a posse definitiva da terra, dão a medida da urgência por mudanças. Por outro lado, o centro ainda é a velha questão da regularização fundiária – provar que as comunidades habitam os territórios tradicionalmente, iniciar um processo legal, demarcar a terra e conceder títulos em nome das comunidades.

Ao todo, o Pará tem 320 comunidades quilombolas espalhadas em 55 municípios. Destas, 94 já foram reconhecidas e foram beneficiadas pela regularização de 37 territórios. Algumas delas compartilham um mesmo território. Destas titulações, 27 foram feitas pelo órgão estadual, e 10 pelo Incra, órgão federal responsável pela reforma agrária e titulações de terra para povos indígenas e quilombolas. Ocorre que, mesmo havendo titulações, a precariedade e a violência fazem parte do cotidiano destas populações.

“Eles vivem entre as cercas elétricas das fazendas, sem acesso a fontes de água e outros recursos. Além disso, já começa a acontecer o desrespeito aos títulos de posse já conferidos pelos governos, por parte de madeireiros e pecuaristas”, diz o educador da Fase Amazônia Matheus Otterloo. Esta é uma realidade comum no Pará, tradicionalmente um dos estados brasileiros com maior número de casos de violência relacionada à disputa por terras.

Por tudo isso, a oportunidade de um encontro de todas essas comunidades era ansiosamente aguardada. “Foi um dos eventos mais importantes que o Malungo organizou”, diz Matheus. Malungo é o nome dado pelas comunidades à sua organização coletiva. Em um dialeto africano, significa amigo. O relato de Matheus, que participou ativamente da organização do encontro, dá conta de que as lideranças quilombolas saíram fortalecidas e que houve razoável repercussão sobre o evento. Agora, eles serão mais um ator social consistente para exigir dos poderes públicos políticas que garantam seu direito a terra com condições de nela permanecer, produzir e sobreviver, contribuindo para a paz no campo e semeando justiça onde sempre houve violência.