30/03/2007 11:10

Fausto Oliveira

A segunda assembléia da Rede Vida (Vigilância Interamericana em Defesa da Água) aconteceu na semana passada em Lima, no Peru. Trata-se de uma rede de organizações, movimentos sociais e gestores públicos que trabalham para preservar e defender um dos mais importantes patrimônios dos povos: a água. Formada em 2003 após experiências mal sucedidas de privatização da água em alguns lugares da América Latina, a Rede Vida hoje acumula avanços, e já discute modelos de gestão pública e comunitária.

As ameaças ao direito de todos a ter água potável em boas condições são muitas. Nos primeiros anos desta década, empresas transnacionais se aproveitaram de governos de inclinação neoliberal em países latino-americanos e compraram o direito de fornecer água. Na cidade boliviana de Cochabamba, por exemplo, quando isso ocorreu o preço da tarifa dobrou, foi indexado ao dólar e a empresa Águas Del Tunari chegou a cobrar dos habitantes por captar água da chuva. Tanto a população como o governo desconheciam o contrato que dava a esta empresa estes direitos. O povo de Cochabamba reagiu confrontando a empresa, formada por capitais italianos, espanhóis e norte-americanos. O consórcio, finalmente, foi desfeito e os serviços de água voltaram a ser públicos.

Na segunda assembléia da Rede Vida, viu-se que o movimento de luta pelo direito à água na América Latina já avançou tanto que a discussão não está mais restrita a criticar privatizações. Agora, um dos principais pontos é a gestão comunitária. Segundo Mabel Mello, assessora da FASE que participa da rede, “demos um passo para o fortalecimento de modelos públicos. Já surgem convênios de gestão pública de água nas Américas, seja entre governos ou entre governos e comunidades”.

“Na América Latina, a gestão da água pelas comunidades é muito forte, principalmente na região dos Andes”, diz Mabel. Como a Rede Vida é aberta à participação de gestores públicos e entidades de profissionais da área hídrica, assiste-se ali a formação de convênios muito interessantes. “Um convênio é entre a empresa pública do Uruguai e a associação das empresas municipais de água do Brasil. Estes dois países estão fechando um convênio com a Bolívia. Outro acordo que se fechou é entre Peru e Argentina: a companhia de água de um departamento do Peru vai receber assessoramento da companhia de água de Buenos Aires, que voltou a ser pública”, contou ela. É um cenário de reconquista do direito à água que está acontecendo na América Latina, graças à organização dos povos na disputa por este patrimônio natural que as empresas querem transformar em mercadoria.

Mas a Rede Vida está atenta a todos os contextos em que a água é uma questão. “A gente tem que pensar a água como um todo, não basta pensar no serviço para as cidades. Pensar o trato da água desde os mananciais, a contaminação, a vida dos rios. Neste sentido, a mineração e as barragens das hidroelétricas são temas fortes, por causa de seus impactos. A gente também precisa pensar a questão da agroenergia, porque existe todo um processo de consumo excessivo e contaminação das águas nestes modelos”, afirma a assessora da FASE.

Uma vez ampliados os temas da Rede Vida, ela sentiu a necessidade de dar vazão às lutas regionais. Assim, foram organizados grupos de entidades de países regionalmente afins, para reforçar a defesa da água em problemáticas comuns. A região Cone Sul contará com Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile. Há também as entidades da região Andina com o restante dos países da América do Sul, a região centro-americana com México e Caribe e, finalmente, a região norte-americana com Estados Unidos e Canadá. “Nós aqui temos como muito claras as questões do aqüífero Guarani e a formação do Mercosul. São bandeiras próprias de nossa região”, esclarece Mabel. A luta em defesa da água deixou de ser apenas a resistência contra processos nefastos de privatização e passou a englobar temas do desenvolvimento sustentável e da crítica aos modelos de crescimento econômico a qualquer custo. Não à toa, a Rede Vida passou a ter interlocução com organizações como Via Campesina e Aliança Social Continental. Este salto de qualidade só beneficia os povos das Américas que, de tempos em tempos, têm seus direitos mais fundamentais ameaçados por empresas transnacionais.