22/07/2022 18:13
*Paula Schitine
Os colaboradores da FASE, que participaram do intercâmbio no Mato Grosso em junho para conhecer as atividades desenvolvidas pela FASE nesta unidade e seus parceiros, visitaram o CTA – Centro de Tecnologia Alternativa, no município de Pontes e Lacerda. “O CTA existe há 30 anos e é fruto do trabalho da FASE no local que também orientou a criação de uma associação para que desse continuidade ao trabalho iniciado tanto para organizar os trabalhadores e trabalhadoras quanto para comercializar a produção deles”, lembra Miraci Pereira da Silva – presidente do CTA.
Na sede do CTA, que tem o nome de “Centro de Formação Mitio Kaku” – em homenagem a um de seus pioneiros – eles puderam trocar saberes de questões sobre a produção de alimentos in natura e processados, e também entender sobre a rota de de comercialização Caminhos da Agroecologia, coordenada pelo centro.
A rota vem assegurando que famílias em situação de vulnerabilidade e organizações sociais tenham acesso a comida de verdade, agroecológica e produzida pela agricultura familiar. Essas ações são executadas em parceria com a FASE e com o FORMAD – Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente – por meio de apoio financeiro das fundações Banco do Brasil, Fundação Laudes e recursos do FORMAD.
A produção é adquirida da rede de agricultores/agricultoras organizados em associações e cooperativas articuladas pela rota de comercialização assegurando assim, um importante mercado aos agricultores que viram seus mercados serem fechados em meio a pandemia.
Ao mesmo tempo, atende às famílias, comunidades ou entidades com pessoas em estado de vulnerabilidade alimentar. Os projetos têm sido importante também na manutenção e garantia da viabilidade de rota caminhos da agroecologia que tem como objetivo articular mercado para a agricultura familiar.
Sementes que dão frutos
O CTA também promove trocas de sementes e mudas e também ensinam técnicas de plantio e cultivo às comunidades da Rota. E o caso da terra indígena Portal do Encantado, no município de Porto Espiridião, da etnia indígena dos Chiquitanos, Foi essa troca que despertou em +, uma das suas integrantes, Rosane Maria Rupilete, a vontade de aprender mais e sair de uma situação de vida limitada pela falta de estudos.
“Eu conheço o CTA há uns 5 anos porque eles sempre ajudaram na agricultura familiar levando sementes que a gente precisa”, conta. “Nós temos uma associação, e eu fui diretora escolar durante muito tempo mas me cansei de trabalhar sem formação e ganhar um salário mínimo”, continua. Ela conta que resolveu aproveitar a cota para indígenas da Universidade Federal do Mato Grosso para cursar alguma graduação e quando soube do curso de Ciências e Tecnologia de Alimentos, quis cursar.
“Dentro da minha comunidade isso é muito fraco e a gente sofria muito, não tínhamos o suficiente pra comer e eu decidi então fazer esse curso para ajudar a comunidade”, conta.
No final de 2013 ela foi então para Cuiabá cursar a faculdade e três anos depois, quando veio a pandemia, ela desenvolveu ansiedade e voltou para seu território. “Lá eu voltei a me recuperar e comecei a plantar. Meu cunhado conhecia o CTA e depois de um ano eu consegui um estágio lá”, lembra.
“O CTA foi muito importante porque eles levavam alimento, polpa, arroz, e estamos até produzindo agora. Eu sou grata por ter conseguido a universidade e por ter tido a oportunidade de vir para o CTA. Eu sei que posso fazer muita coisa pelo meu povo agora”, destaca.
Hoje como funcionária do CTA ela comemora o seu crescimento. “Eu sinto que eu me encaixo aqui no CTA porque eles trabalham com produtos processados e in natura e tudo isso eu estudei, todas as práticas de plantio e colheita, os adubos, tudo para dar o produto de qualidade que eles colhem aqui”, afirma.
Ação emergencial na pandemia
Durante a pandemia, com apoio da Fundação Banco do Brasil, foram distribuídas 4 mil cestas básicas contendo frutas, hortaliças, polpas de frutas, verduras e até produtos que não são produzidos pelos agricultores locais como arroz e feijão.
“A gente já vinha fazendo articulação de mercado para esses agricultores familiares, mobilizamos os grupos que fazem a produção e organiza mercado. E esse setor foi o que mais sofreu com a pandemia porque foram suspensas as feiras e as aulas, onde esses produtores vendiam ou forneciam alimentos”, lembra Saguio Moreira. coordenador executivo do CTA. “A iniciativa em conjunto com a FASE e a Fundação Banco do Brasil foi fundamental porque beneficiou essas famílias duas vezes, com a compra de produtos e distribuição para quem não tinha condições de comprar outros produtos”, completa.
Desafios para o Futuro
O coordenador executivo do CTA, Saguio Moreira conta que os tempos são desafiadores para a agricultura familiar. Os desafios vão desde a continuidade da produção por conta da dificuldade de acesso à água. “Conseguir ter água no período seco para manter a produção no tempo de seca é uma questão importante. Um segundo desafio é melhorar a nossa articulação e pensar ferramentas que possam articular melhor, saber quem está produzindo o quê. O CTA tem 42 associados mas a nossa ação é para além do CTA porque às vezes quem não é sócio é mais impactado e quem é associado tem a consciência de querer beneficiar outras famílias”, explica.
Outra questão importante para o trabalho do CTA é a legislação que tem como base a Lei 1.947 que abrange o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). “A gente precisa avançar na questão da vigilância sanitária e na criação de coletivos, talvez nas leis municiais que crie conselhos de alimentação e até mesmo no cumprimento da Lei 1.947 que é a lei que assegura que os poderes públicos em todas as suas escalas comprem pelo menos 30% de produtos da agricultura familiar”, avalia. “Isso não é cumprido na maioria das vezes e eles têm buscado todas as justificativas para isso. Então a gente tem se articulado para garanti a produção adequada mas que eles também possam adequar os editais à realidade da agricultura local”, enfatiza.
“O PNAE é a modalidade que garante a alimentação das escolas e é importantíssima para a agricultura familiar parque dispensa processos licitatórios e obriga os órgãos públicos a nível municipal, estadual e nacional, a comprar 30% dos produtos da agricultura familiar. Desde 2009 a gente vem fazendo com que ela venha a ser cumprida”, destaca.
A riqueza do intercâmbio
Durante cinco dias, colaboradores da FASE tiveram a chance de ver de perto o trabalho incansável e cuidadoso de diversas organizações parceiras da FASE Mato Grosso para a causa da soberania alimentar. Foram conversas, demonstrações de atividades, degustações de produtos, visitações em campo e na cidade de cooperativas e quintais produtivos e também muita integração com a natureza e entre as pessoas.
Para Aercio Oliveira, coordenador da FASE Rio, o intercâmbio possibilitou que ele saísse do âmbito urbano de uma região metropolitana, na qual vive imerso para vivenciar, mesmo que brevemente, modos de vida e culturas diversas. “Conhecer o trabalho de agricultoras e agricultores familiares nos assentamentos, as famílias e a produção do Quilombo da Mutuca, as instalações de beneficiamento do que é colhido nesses territórios para a comercialização, as estratégias de fazer com que alimentos saudáveis, sem veneno, cheguem às cidades é muito educativo para mim”, revela. “Também ficou evidente o quanto essas famílias dos assentamentos têm um grande apreço pelo trabalho de assessoria e educação popular da FASE, que os acompanha ao longo de décadas”, lembrou.
Para Vânia Carvalho, da FASE Amazônia/Fundo Dema, conhecer experiências sobre a rota da comercialização revelou novas perspectivas para o trabalho no Pará. “Uma coisa que me chamou atenção foi a organização da produção, isso ainda é um gargalo para o Pará, a questão da comercialização. Tem lugares que a gente não consegue acessar. Então, a gente vê uma série de ações da FASE Mato Grosso que promovem esse acesso da produção aos mercados”, compara.
Já para Flávia Bernardes, da FASE Espírito Santo, o intercâmbio ampliou seus horizontes ao olhar para outras comunidades. “Dá um gás muito grande ver territórios que já conseguiram legalização e para atuação de agricultores que já conseguem escoar suas produções, sobretudo neste contexto político de tantas perdas”, explica. “O que eu levo daqui é a esperança de que há possibilidade de organização, de que há esse horizonte e que neste horizonte muitas portas se abrem”, celebra.
*Paula Schiitne é jornalista da comunicação da FASE