07/12/2007 15:45
Fausto Oliveira
Esta semana, o Fase Notícias compareceu à entrevista coletiva de João Pedro Stedile, liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira, no Rio de Janeiro. A intenção do encontro com os jornalistas era fazer um balanço da reforma agrária em 2007. Mas a conversa rendeu mais. Além de falar do programa de reforma agrária, Stedile, acompanhado do coordenador da ONG Terra de Direitos, Darci Frigo, falou dos principais conflitos sociais do campo na atualidade e ainda pôs os jornalistas para falar com o frei dom Luiz Flávio Cappio, que voltou a fazer greve de fome contra o projeto de transposição do rio São Francisco.
João Pedro Stedile expressou, mais uma vez, sua indignação com o fato de mais de 150 mil famílias ligadas ao MST ainda viverem em acampamentos improvisados em margens de estradas. Isso, na prática, significa uma enorme massa de indigentes rurais, como se fossem centenas de milhares de moradores de rua, mas no meio rural. Com seu direito à vida estável na terra negado pela estrutura fundiária e os interesses do grande capital rural, estes sem terra apenas sobrevivem, enquanto grande parte do país está desinteressado pelo drama de seu cotidiano.
“Nosso balanço da reforma agrária em 2007 é extremamente negativo. Nos últimos 13 anos, somando-se os anos dos dois governos de Fernando Henrique e dos que Lula governou até agora, 2007 foi o ano em que menos se desapropriaram terras para fins de reforma agrária”, disse o líder sem terra. Em outro momento da coletiva, Stedile lembrou que “vários fatores explicam isso, mas quem pagou a conta foram as famílias que continuam morando embaixo de lonas pretas”.
Dois projetos para o campo – Apesar da morosidade do programa de reforma agrária, Stedile foi ainda mais crítico do que chamou de projeto do agronegócio para o Brasil. Expressando idéias mantidas por diversos movimentos sociais e ONGs, ele criticou a aliança entre empresas transnacionais, bancos e fazendeiros capitalistas, que se uniram para dominar grandes extensões de terra nos países em desenvolvimento, introduzir agrotóxicos e transgênicos em larga escala e atender as demandas do mercado externo, que não estão relacionadas somente a alimentos. Em oposição, ele disse que o MST continuará propondo e lutando por um modelo de produção de alimentos sadios, em pequenas propriedades, por sistemas de cooperativas, fixando o camponês no campo, descentralizando a agroindústria e atendendo as demandas do mercado interno. A oposição entre estes dois projetos para o campo são a raiz de toda a tensão verificada hoje no meio rural brasileiro.
Tensão que existe, embora não se fale dela. Neste ponto, a entrevista coletiva se expandiu para rumos ainda mais amplos. Stedile falou da grande tentativa de apropriação da terra rural para fins de ganho de capital, processo que está ocorrendo não só no Brasil, mas praticamente em toda a América Latina. Um exemplo é a questão dos transgênicos. Empresas transnacionais como Bayer, Syngenta, Monsanto, Cargill, Bunge e outras estão tomando conta da terra e das formas de produzir certos alimentos no Brasil, e com beneplácito do governo. “Em 20 de outubro estivemos com Lula e dissemos a ele que sabemos que ele é a favor dos transgênicos, mas saiba que vamos à guerra social se o governo insistir em ser marionete das corporações”, disse ele.
Ele se referia ao fato de que apenas em 2007 a Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia (CTNBio), sem atender nem mesmo os preceitos da Lei de Biossegurança, liberou variedades de milho transgênico de algumas das empresas citadas. Ora, se na Europa o milho transgênico vem sendo proibido porque já se sabe que a mutação genética continua ocorrendo mesmo após a ingestão por humanos e animais, por que afinal o Brasil deveria liberar? E o líder do MST ainda chamou a atenção para um fato crucial: o interesse das empresas de biotecnologia é pelo milho, base fundamental da agricultura familiar latino-americana porque é alimento tanto para famílias quanto para o gado.
De um lado, liberam o milho transgênico por força de lobby no governo federal. De outro, estão estocando milhos geneticamente modificados contrabandeados da Argentina, para esperar a liberação e poder encher o mercado. Como se sabe, as empresas também programam o genoma de seus milhos para que eles não gerem sementes, e assim todo ano os agricultores são obrigados a comprar sementes da empresa em questão (Syngenta, Monsanto, Bayer etc). Assim, percebe-se que, se este ciclo se completa, o pequeno agricultor fica em sérias dificuldades, por falta de escala e de capital para continuar plantando milho. Tudo está se montando para que, com a introdução maciça do milho transgênico, apenas o grande agricultor capitalista possa acompanhar a mudança. E o que vai acontecer com os cerca de 20 milhões de pessoas que ainda vivem no meio rural brasileiro? Talvez o mesmo que aconteceu no México, onde este mesmo processo ocorreu. Lá, oito milhões tiveram que migrar, seja para cidades mexicanas, seja para os Estados Unidos. Tudo isso pela instalação de um modelo que além de excludente é comprovadamente ruim para a saúde humana e animal. Vale a pena? Stedile respondeu: “se as empresas estrangeiras controlarem o milho, vai haver conflito”.