05/12/2012 15:39

“… estamos aprendendo a expressar os nossos sentimentos
e que temos o poder de fazer o que queremos…”

(Depoimento de uma das pescadoras – relatório da atividades)

Neste ‘inverno’ em Pernambuco, entre os meses de setembro a novembro, quando não há muito o que pescar, muitas pescadoras e seus filhos trocaram anzóis e redes por canetas, brincadeiras e questões. Foram 2730 mulheres e 1950 crianças os participantes da “Formação da rede de agentes de políticas públicas para mulheres rurais – Projeto Chapéu de Palha Pesca Artesanal 2012”. Este é um projeto do governo do estado que também tem versões para entressafra de cana-de-açúcar e fruticultura e conjuga cursos e uma bolsa [R$ 242, complementar ao Bolsa Família] nos períodos mais difíceis no ano para estes trabalhadores e trabalhadoras. Historicamente o projeto foi dedicado aos homens do campo e, desde 2007, mulheres passaram a participar com espaços próprios.

Nesta edição do Chapéu de Palha, a primeira que atendeu às mulheres pescadoras, o projeto foi coordenado pela FASE PE que trabalhou na formação de educadoras e recreadoras, desenvolveu material pedagógico, planos de aula, logística para entrega de kits – como o chamado “kit saúde” com um chapéu e protetor solar – e acompanhou outras oito organizações de mulheres espalhadas pelo estado, estas sim responsáveis pelo trabalho direto com as pescadoras de 27 municípios. Também preparou uma grande aula inaugural, seminário de encerramento e oficinas de avaliação de todo o processo. Para a educadora e coordenadora do projeto Luiza de Marillac de Sousa, da FASE, a escolha para coordenação das atividades é também um reconhecimento ao trabalho que vem sendo realizado pela instituição – que não é uma organização feminista ou de mulheres – na luta por igualdade de gênero nos últimos dez anos.

Redes para direitos e igualdade

Os conteúdos do curso abrangiam compreensões e conceitos de cidadania e identidades, enfatizando a importância da construção das diversas identidades. Também refletiram sobre as ações coletivas dos movimentos sociais, a luta das mulheres, feminismo e sobre conceitos como raça, racismo, racismo institucional, preconceitos. As educadoras reforçaram que a partir da identidade de raça as mulheres reencontram-se, ao mesmo tempo, com sua ancestralidade, suas raízes, histórias e conquistas. O debate sobre Gênero – na perspectiva da desnaturalização da concepção de subordinação das mulheres e das relações desiguais entre elas e os homens na sociedade – foi outro dos temas das oficinas, que incluiram o debate sobre Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: saúde, prazer, afirmações de identidades e da sexualidade. Por fim as pescadoras construíram conhecimentos sobre “Políticas públicas e formas de organização econômica e empoderamento das mulheres”.

Além de ‘empoderar’ cada uma das participantes, o objetivo do curso – como sugere o nome – é formar redes de pessoas interessadas e capazes de se organizar e intervir na vida de suas comunidades. “É grande a quantidade de mulheres pescadoras, onde se incluem as marisqueiras, mas são poucas as que conseguem se fazer presentes nos espaços de poder de sindicatos e associações das colônias”, explicou Luiza, segundo constatou nas visitas a quase todas as turmas, em todo o estado – mais de 70 no total –, “conhecemos muitas mulheres que têm muitos problemas de saúde causados pelo trabalho e vivem uma rotina muito pesada e sacrificante. Apesar disso, este é um ofício que por si tem a marca da autonomia”.

A descrição de Luiza para esta experiência mostra o quanto foi desafiadora. Ela explica que este é um público diferente daquele com o qual está mais acostumada a trabalhar: além de ser a primeira experiência com pescadoras – seja do litoral ou do interior – não falamos aqui de mulheres que já têm alguma participação na vida política como lideranças nas suas comunidades:

“Foi o primeiro contato delas com muitos destes temas. É mais difícil para as educadoras. Mas foi muito bonito”, comentou, com ar empolgado, “a gente não costuma trabalhar com tanta gente ao mesmo tempo. Ver 50 mulheres sob um alpendre descobrindo muitas coisas, ampliando a compreensão sobre o lugar de cada uma no mundo… Acredito que os resultados serão importantes para a vida delas”, afirmou Luiza, refletindo sobre as mudanças que o acesso ao conhecimento sobre identidade e cidadania podem gerar na postura de quem podia, em certas situações no passado, sentir-se constrangida por ser mulher ou por não ter seus direitos publicamente enunciados.

Na opinião de Luiza, a marca da FASE no trabalho está na construção dialogada de todo o processo com as oito organizações que trabalharam com as mulheres. Muitas destas, inclusive, participaram da facilitação de oficinas de formação, colaborando muito na construção coletiva com o conhecimento que também têm acumulado ao longo dos anos.

Houve algumas dificuldades impostas pela dinâmica dogoverno, a exemplo da falta de articulação entre as secretarias envolvidas, o que gerou problemas como a falta de estrutura física para atender muitas turmas ao mesmo tempo e inconsistência no processo de cadastramento, atrasando o início do projeto e dificultando a mobilização. Apesar das dificuldades, a educadora da FASE faz avaliação bastante positiva e salienta que a existência de espaços próprios para as crianças pequenas com recreação é um dos pontos que centrais para garantir a participação das mulheres. Elas relatam, conta, que de outra forma não haveria tranquilidade para ir aos encontros – ou mesmo possibilidade de participação.

Para o próximo ano a expectativa é de que o Chapéu de Palha Pesca Artesanal alcance a marca de 4 mil mulheres e que além dos cursos voltados para políticas públicas haja módulos de capacitação profissional.