14/07/2016 12:24
Elida Galvão e Gilka Resende¹
Frutas, hortaliças, legumes, sementes, galinha caipira, ovos, pescados, medicamentos tradicionais, plantas ornamentais, doces, biscoitos e sabonetes artesanais foram alguns dos produtos apresentados na I Feira Agroecológica da Produção Familiar – Sabores do Amor, em Santarém, Baixo Amazonas, Pará. Dezenas de mulheres agricultoras expuseram alimentos e artesanatos diversificados durante a atividade promovida no mercado do Sindicato dos Trabalhadores a Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR) do município. Vindas de áreas de várzea, como Arapixuna, Ituqui, Curuauna, Tapajós-Arapiuns, elas, além de fortalecerem a economia local, incentivam a soberania e a segurança alimentar e nutricional por meio da produção agroecológica.
Vivendo da criação de galinhas, plantação de mandioca, maniva² e plantas medicinais, Maria Carmem Corrêa, de 62 anos, moradora de Vila Franca, comunidade localizada na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, não hesitou em participar do evento, que ocorreu nos dias 10 e 11 de junho. Ela levou xaropes, pomadas, pílulas naturais e garrafadas, como são chamadas as misturas de ervas e cascas de árvores. Esses remédios são resultado de conhecimentos passados de geração em geração. Óleos de arruda, andiroba, copaíba³, preparados pelo grupo do qual ela faz parte, também tiveram boa saída na feira. Maria Carmem faz questão de enfatizar que suas conquistas são também coletivas. “A gente se reúne para produzir e vendemos na comunidade e aqui na cidade. A renda do que a gente vende, divide entre as quatro”, conta.
Nobres valores a preços baixos
Os preços na feira chamaram bastante atenção dos visitantes, revelando que a alimentação saudável não é necessariamente cara. “Estão bem acessíveis os preços, não tão altos como a gente vê em feiras comuns. Pelas dificuldades de chuva na região, pelo tempo que levam as plantações, o comum seria ter preços lá em cima”, diz intrigado Felipe Neri, somando a sua lista de compras coloral, pés de alface, cheiro verde e laranja. “Que pena que não é uma feira diária. Fica um pouco longe da minha residência, mas essa distância vale a pena porque o consumo desses produtos é melhor para a nossa família”, avaliou o militar.
Expondo em sua banca frutos como pupunha, cupuaçu, cacau, abacate, além de doces caseiros e pimentas colhidas do próprio quintal, Maria da Conceição Guimarães, 46 anos, certifica a qualidade desses alimentos, mesmo sem compreender totalmente ainda os significados da agroecologia. “Eles têm qualidade por não serem produzidos com agrotóxicos”, diz a agricultora da comunidade Vila Amazonas, do município de Arapixuna. Inclusive, a maioria dos consumidores foi atraída pelo anúncio da ausência de venenos nos alimentos.
Com uma noção um pouco mais apurada sobre a agroecologia, Glaucione Rodrigues, 31 anos, afirma que depende da produção agroecológica para viver. Apesar de considerar um caminho mais trabalhoso, prefere produzir, vender e consumir dessa maneira. Frente a uma variada produção de alimentos in natura, ela faz questão explicar que os ovos caipiras de sua criação são provenientes de galinhas alimentadas com ração alternativa. “Pegamos milho que plantamos ou compramos dos nossos vizinhos, quando a gente não tem, e misturamos com casca de macaxera e com outros farelos”, informou a agricultora, que de forma solidária vendia também potes de mel para uma amiga, já que essa não conseguiu comparecer à feira.
Nas conversas ou explicações sobre os alimentos, os visitantes perceberam que a agroecologia vai além do fato de não incluir químicos. Diretamente relacionada ao conhecimento tradicional e à conservação da biodiversidade, também promove vínculos coletivos, de forma a respeitar os direitos de povos e de comunidades tradicionais. O elemento da cultura também é central. Aliás, para celebrar a feira agroecológica em Santarém, a banda Tambor animou os presentes com músicas regionais.
Conquistando autonomia
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de mulheres chefes de famílias no campo chega a 42%. Com um papel importante na segurança alimentar e nutricional, elas vêm conquistando cada vez mais autonomia e independência econômica, contribuindo para a geração de renda local. Para Graça Costa, representante do programa da FASE na Amazônia no comitê gestor do Fundo de Mulheres Rurais da Amazônia Luzia Dorothy do Espírito Santo e educadora do Fundo Dema, a responsabilidade da função coletiva em coordenar a feira destaca esse reconhecimento e dá visibilidade ao trabalho rural das mulheres. Com a auto-organização, reforça Graça, elas deixam de assumir um papel coadjuvante e passam a ser protagonistas de suas próprias produções.
As feiras são consideradas estratégicas no processo de empoderamento das mulheres. “Elas compreendem esse processo e passam a construir uma identidade, a reconhecer seu próprio trabalho. Com isso, outras dimensões vão surgindo, porque estando nas feiras elas tratam da comunicação e fazem intercâmbios de conhecimentos. Elas detêm um saber tradicional sobre a terra, sobre a forma como produzir e a relação disso com o auto sustento. Pouco a pouco vão alcançando uma compreensão mais ampla desse seu papel”, completa Graça.
A I Feira Agroecológica da Produção Familiar – Sabores do Amor também serviu para dar visibilidade à feira do Sindicato, que acontece semanalmente, toda sexta-feira e sábado. Trata-se de um espaço em construção, com trocas entre as agricultoras rurais e a população em geral. Com a criação da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Santarém (AMTR-STM), em 2015, a partir do apoio do Fundo de Mulheres e do Fundo Dema, as mulheres, que antes eram representadas por uma secretaria sindical específica, ganharam ainda mais autonomia. Atualmente, a coordenação das feiras fica por conta das agricultoras.
[1] Jornalistas do Fundo Dema e da FASE.
[2] Folha da mandioca. Usada em pratos tradicionais da região.
[3] Plantas medicinais.