26/09/2016 15:41
Movimentos sociais, organizações e instituições de defesa de direitos dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro estiveram reunidos na capital fluminense para o Encontro do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS)¹ no Sudeste, promovido nos dias 16 e 17 de setembro. Em debate, as ameaças e conflitos socioambientais que têm se manifestado nos diferentes territórios da região. Cerca de 80 participantes refletiram sobre como integrar suas lutas e causas a partir da identificação de questões comuns aos diferentes territórios.
Rapidamente, detectaram que suas áreas têm sofrido impactos relativos à água, tanto em relação a sua qualidade e como pela restrição do direito ao seu uso. Relatos ressaltaram que esse recurso natural é sistematicamente restringido a comunidades e a populações inteiras em benefício de indústrias, que são grandes consumidoras. Nilmário Rocha, do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), representou o grupo do Espírito Santo. Ele falou que o conflito pela água tende a se acirrar diante de crises hídricas. “Tem água em alguns lugares. Mas água para quem? Para a Aracruz [atual Fibria] com sua monocultura de eucalipto parece ter, já para os pequenos agricultores, para os quilombolas, é mais difícil”, compara.
Guillermo Denaro, da Rede Jubileu Sul, que representou o grupo de São Paulo, também reafirmou a centralidade dos problemas ligados à disputa pela água. “Hoje temos indígenas e quilombolas resistindo à privatização dos 25 parques estaduais, que no fim é uma busca por água para abastecer principalmente a Grande São Paulo”, disse. Assim como Nilmário, Delnaro alertou sobre os impactos dos monocultivos de eucaliptos. Disse que eles forma verdadeiros “desertos verdes” e que, durante as chuvas, os agrotóxicos usados nesse tipo de plantação contaminam o rio Paraíba do Sul que, por sua vez, abastece a 80% da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. As organizações no estado pontuaram que questões para além da capital não ganham muita visibilidade.
“No Rio, além da ameaça de privatização da Cedae [Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro], há no norte e noroeste a salinização da água e expulsão de pequenos agricultores por ameaças de grupos com grande poder financeiro. Nas secas, não há política pública que apoie o pequeno agricultor. Na região Serrana, existe uma verdadeira crise na habitação. O racismo ambiental levou durante muito tempo o lixo do município do Rio para a Baixada Fluminense. E, como nos outros estados, a insegurança fundiária de comunidades tradicionais, como as indígenas, quilombolas e caiçaras, têm se aprofundado”, relatou Priscila Viana Alves, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Integração das lutas
No segundo dia de atividades, os participantes debateram temas unificadores das lutas. Além de abordar questões relacionadas aos recursos hídricos, se reuniram em grupos para trocar informações sobre “mineração, indústria e petróleo” e a “defesa dos territórios”. Outros temas foram abordados de forma transversal: energia solar; agricultura; fortalecimento de laços de solidariedade; e o debate sobre políticas públicas. Outro ponto de convergência foi o de que a luta contra as mudanças climáticas pode ganhar maior visibilidade a partir do fortalecimento da formação popular e de ações de base. Por isso, todos apontaram a necessidade de reforçar iniciativas como o encontro do Fórum, especialmente às voltadas para jovens, mulheres e negros, que são os que sofrem mais com as injustiças ambientais. Lucimere Leão, da Cáritas, falou sobre a realidade de Minas Gerais, estado onde ocorreu a maior tragédia ambiental da história do Brasil. “Fomos atingidos pelo crime da [mineradora] Samarco. Os afluentes do Rio Doce estão bastante poluídos”, exemplificou.
O momento foi de troca de experiências e discussões sobre quais as ações e os desafios para enfrentamento das mudanças climáticas na região Sudeste. Houve consenso entre os grupos sobre a necessidade de o Fórum do Sudeste fortalecer alianças entre as lutas dos campos e das cidades, já que na região o modo de vida nas cidades muitas vezes quebra a relação do ser humano com a natureza.
Mudança de padrões
O encontro contou também com uma palestra de Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e integrante do movimento Ceará no Clima. Ele falou de como as agressões socioambientais identificadas pelos participantes têm contribuído para criação de um ambiente cada vez menos compatível com a vida que a sociedade conhece atualmente, dando dimensão da importância de se debater as mudanças climáticas em diferentes escalas.
“Quem não tem a vivência da defesa de quilombolas e indígenas, como vimos hoje, vai ter que aprender. Porque esse paradigma de construir ‘Belos Montes’ para financiar a educação ou o que quer que seja tem que ficar para trás. Para termos uma ideia, se desaparecêssemos por um passe de mágica, deixaríamos pegadas irreversíveis. Mudamos a quantidade de gás carbônico na atmosfera. É uma mudança quase tão rápida quanto o impacto de um asteroide. Mas nós somos o asteroide”, disse Alexandre.
[1] Edição de texto do site do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS).