24/10/2017 15:18

Rosilene Miliotti¹

Complexo de Suape. (Foto: Fórum Suape)

Violações sistemáticas de direitos como expulsões, reassentamentos inadequados, ameaças, degradação e contaminação do meio ambiente e violência pública foram alguns dos pontos levantados por Rosimere Nery, educadora do programa da FASE em Pernambuco, sobre os impactos causados pelo Complexo Industrial e Portuário de Suape durante o World Parliamentary Forum e no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra.

Estima-se que pelo menos 3 mil das 6 mil e 800 famílias já foram expulsas de seus territórios com base em indenizações irrisórias e sem reassentamento adequado. Em torno de 25 mil pessoas foram impactadas diretamente, sendo obrigadas a mudar as suas formas de viver. “Há enorme incidência de depressão, alcoolismo e suicídio nessas comunidades expulsas. As famílias que permanecem convivem com constantes abusos, são ameaçadas e impedidas de plantar e de fazer pequenas reformas em suas casas”, denuncia a educadora.

Rosimere conta ainda que pescadores e pescadoras relatam que têm sido impedidos e impedidas de ter acesso às áreas em que tradicionalmente pescavam por causa das constantes ameaças feitas pela vigilância armada da empresa, chegando ao ponto de “roubar os materiais e produtos da pesca de quem tenta acessar o território. Uma liderança local atualmente está sob a proteção do Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ligado à Secretaria de Direitos Humanos de Pernambuco, devido a situação de ameaça”.

O município do Cabo de Santo Agostinho, onde está instalada a maior parte do empreendimento, passou a ser o mais violento de Pernambuco e o 49º do país, de acordo com o Mapa da Violência no Brasil. Apesar da previsibilidade de todas essas violações e conflitos, não houve por parte do Complexo de Suape qualquer preocupação a respeito dos impactos que as suas atividades acarretariam às populações do entorno. Diversas denúncias no Judiciário brasileiro foram realizadas, mas as comunidades continuam sem acesso à Justiça e as empresas não foram devidamente responsabilizadas.

Rosimere durante o World Parliamentary Forum. (Foto: FASE)

Rosimere lembra que o Complexo de Suape é uma empresa de economia mista, da qual o estado de Pernambuco detém o controle. Por contar com recursos federais provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), fica explícita a responsabilidade central do Estado pelas violações ocorridas no território. “Além do Complexo, são responsáveis também pelas violações de direitos na região as empresas transnacionais instaladas e que operam no Complexo. São elas:  Petrobrás, Refresco Guararapes ou Coca-Cola e Shell”, ressalta.

Contaminação e degradação

Muitas comunidades divididas pelo Riacho Algodoais o utilizavam para as suas necessidades básicas, inclusive para pescar e beber água. No entanto, após a instalação de indústrias, o riacho ficou completamente degradado. Entre 1997 e 2010 foram aprovadas e sancionadas oito leis estaduais autorizando a supressão de áreas de preservação permanente (APP), dentre restingas, manguezais e mata atlântica, para dar lugar ao Complexo de Suape. O quantitativo de supressão autorizado totalizou 912,3431 hectares; desses, 554,3561 hectares são de mangue.

“O acesso que as comunidades do entorno de Suape tinham aos recursos naturais em seus ofícios tradicionalmente exercidos, seja na pesca artesanal ou na agricultura familiar, garantia a alimentação da família, além de uma renda com a venda dos alimentos nas feiras. Com a degradação e a apropriação desses recursos, essas populações vêm sofrendo um processo de empobrecimento e vulnerabilização”, conta a educadora.

Para Rosimere, as mulheres são as que mais sofrem com os impactos socioambientais, em razão das tarefas que lhes são convencionalmente atribuídas em função da divisão sexual do trabalho. “A elas cabem atividades como coleta de crustáceos e moluscos no mangue e em croas. Além disso, as marisqueiras têm um trabalho menos valorizado do ponto de vista econômico, o que gera obstáculos no reconhecimento da atividade profissional. A situação atual de trabalho acarreta ainda doenças às pescadoras, porque, acocoradas dentro d’água, ficam mais expostas à contaminação hídrica relacionada ao despejo de efluentes industriais líquidos não tratados e aos sedimentos tóxicos das dragagens, contraindo doenças dermatológicas e ginecológicas. A chegada de mais de 40 mil homens de diversas localidades do país para trabalhar nas obras de instalação do empreendimento provocou aumento da prostituição, exploração sexual, estupros e gravidez em crianças e adolescentes”, conclui.

[1] Jornalista da FASE com informações do documento de denuncia apresentado durante World Parliamentary Forum e na plenária do Conselho de Direitos Humanos da ONU.