27/02/2018 15:42
Élida Galvão¹
Percorrendo seis municípios das regiões da Transamazônica/Xingu e da BR 163, a I Caravana Agroecológica do Oeste do Pará anunciou a importância da agroecologia no campo e na cidade, envolvendo troca de conhecimentos, experimentos em diversas realidades e muito diálogo. Precedendo os Encontros Regional e Nacional de Agroecologia, a iniciativa relacionou o debate central à questão da justiça social, ambiental, cultural e econômica, provocando reflexões sobre as injustiças causadas pelo avanço do agronegócio e por projetos de infraestrutura que destroem o meio ambiente e os modos de vidas de populações locais.
Organizada pelo Fundo Dema em parceria com a Fundação Ford e com o apoio da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a Caravana ocorreu no período de 29 de janeiro a 2 de fevereiro, partindo da cidade de Altamira, com cerca de 70 pessoas, rumo aos municípios de Brasil Novo, Medicilândia, Uruará, Placas e Rurópolis. Na abertura do evento, o Comitê Gestor lançou o Edital Agroecologia, Segurança Alimentar e Defesa dos Bens Comuns voltado à consolidação de iniciativas comunitários já apoiadas pelo Fundo. O momento também lembrou de Seu Cido, um agricultor familiar de Brasil Novo, falecido em 2015, que lutava pela vivência agroecológica na Amazônia. Ele integrava o ‘Sítio Agroecológico’, também apoiado pelo Fundo Dema e voltado ao manejo agroflorestal de área disponibilizada para ações de intercâmbio, estudos e propagação da prática agroecológica.
Além de intercambiar trocas de experiências, a Caravana também anunciou o IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), que ocorrerá no período de 31 de maio a 3 de junho, na cidade de Belo Horizonte (MG), e o Encontro Regional de Agroecologia (ERA), a ser realizado em abril, na região metropolitana de Belém. Contando com a presença de Letícia Tura e Fábio Tijupá, ambos à frente da coordenação da ANA, a atividade foi um momento propício para intensificar o diálogo com a população sobre o combate aos agrotóxicos e as ameaças do agronegócio. “Com o Tema ‘Agroecologia e democracia unindo o campo e a cidade’, no IV ENA queremos trazer um debate não só sobre práticas agroecológicas, mas também, dentro desse cenário conjuntural que estamos vivendo, fortalecer a democracia em nosso país, para que tenhamos dias melhores e para construir outras ideias, fortalecer a sociedade no campo e na cidade”, disse Fábio.
Representando o Movimento Xingu Vivo, Antônia Melo da Silva destacou a contribuição da Caravana para a defesa do território. Para a militante, uma das lideranças na luta contra as barragens de Belo Monte, este foi um momento para dialogar com a população sobre a valorização de suas formas tradicionais de vida. “As pessoas perderam o seu território, perderam o seu modo de vida, perderam praticamente a sua identidade. Esses projetos chamados de grandes não têm nada de grandes porque só trazem destruição para os pequenos. O que é grande para nós da Amazônia, do Xingu, é aquilo que dá produção, satisfação, alegria, que dá vida com dignidade”, pontuou.
Agroecologia na Amazônia
No segundo dia de atividade, após mística de trocas de sementes, Vânia Carvalho, educadora do Fundo Dema, falou sobre a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e a importância de produzir e consumir alimentos sem veneno para garantir uma alimentação saudável e nutritiva à população. Em seguida, a Caravana partiu para o município de Brasil Novo, onde foram apresentadas diversas experiências agroecológicas apoiadas pelo Fundo Dema, entre elas a da rádio comunitária Popular FM, que, por meio de programas educativos, leva aos agricultores familiares, ribeirinhos, indígenas, quilombolas e pescadores informações sobre temas voltados à qualidade de vida e ao cuidado com o meio ambiente, como a agroecologia, a segurança alimentar e nutricional, entre outros.
A importância da educação no campo foi um dos assuntos destacados. Em depoimento, integrantes da Casa Familiar Rural de Brasil compartilharam suas práticas voltadas ao fortalecimento da agroecologia e da agricultura familiar. “Nós mostramos aos agricultores de Brasil Novo que é possível produzir sem derrubar, sem queimar, e que é possível recuperar as áreas degradadas. Hoje, nós temos uma produção agrícola bem significante. Com isso, conseguimos também diminuir o êxodo rural. Antes os agricultores não tinham incentivo para vender seus produtos. Hoje produzem de forma agroecológica, sem veneno, para a alimentação da família e acabam por vender o excedente”, relata Cleid Suk.
Experiências agroecológicas em áreas de cultivo também foram vivenciadas pelos participantes da Caravana, a exemplo da plantação de cacau em sistema cabruca, em Medicilândia. Em um terreno de 16 hectares, 16 famílias trabalham coletivamente com plantação de cacau nativo sem queima, respeitando a biodiversidade da floresta. “Esse cacau não precisa fazer correção no solo. Com uma lavoura nesse grau de umidade, quando chega o verão não tem necessidade de controle de pragas. A própria natureza tem nos ensinado”, diz o agricultor Pedro Lima.
Grande parte do cacau que é produzido pelas famílias agricultoras destina-se a produção de chocolate na fábrica Cacaway, da Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica, que também recebeu a visita do grupo. “Temos total acordo com a produção do cacau sem queima, buscamos uma alternativa para fazer roça sem fogo. O cacau na Amazônia consegue ser colocado dentro de uma atividade que garante a sustentabilidade da agricultura familiar, gerando emprego e renda de forma harmoniosa com a natureza”, considera Tarcísio Venturim, sócio da cooperativa.
Sem feminismo não há agroecologia
Durante o percurso da Caravana, o protagonismo das mulheres se mostrou forte e evidente no processo de fortalecimento da agroecologia. Enfatizando seus vínculos comunitários e a relação com a produção agrícola, as mulheres demonstraram a força de suas atuações na luta em defesa da agroecologia, da segurança alimentar e nutricional, na defesa do meio ambiente, do território e, principalmente, na luta contra o patriarcalismo e todos os tipos de violência.
Em Uruará, as experiências do Movimento de Mulheres de Uruará Campo e Cidade, da Associação de Mulheres Dom Oscar Romero e da Associação Agroextrativista Sementes da Floresta se revelaram como exemplos da importância da mulher tanto nas atividades produtivas, quanto na conquista da autonomia. Integrando o Sementes da Floresta, Selma Moreira explica que o plantio de essências florestais em áreas degradadas foi uma alternativa encontrada para garantir a biodiversidade e o sustento familiar. “Isso é um benefício social incomparável. Antes os agricultores achavam que se não tivessem grandes equipamentos para ampliar suas áreas de produção, fazer todo um processo mecanizado, eles iriam passar fome. Essa alternativa tem uma viabilidade agroecológica, de sustentabilidade ambiental e social porque restaura as áreas degradadas, gera produção de alimentos saudáveis porque não agrega agrotóxicos à produção alimentar, gera melhores condições de vida para o agricultor”, disse Selma.
Em Placas, não foi diferente. O trabalho desenvolvido pelas iniciativas ‘Cuidando da Vida no Bioma Amazônico’ e ‘Alimentação Sadia, Vida Saudável e Cuidado com o Meio Ambiente’ ganharam notoriedade pela agregação da agroecologia ao cuidado com a vida a partir de uma visão holística. No município, as mulheres têm sido responsáveis por promover segurança alimentar e saúde à população.
Com o nome ‘Farmácia Viva’, o espaço de acolhimento coletivo coordenado por um grupo de mulheres, agentes da pastoral da saúde, tem contribuído na prevenção de doenças com tratamentos que integram diversas terapias, entre elas a homeopatia e a fitoterapia. “O nosso trabalho é com terapias integrativas. Por falta de políticas públicas em saúde, às vezes recebemos pessoas muito doentes. Essa semana chegou um senhor muito doente por trabalhar diretamente com o uso de agrotóxicos, mas infelizmente não temos como resolver doenças graves”, avalia Ir. Marialva, coordenadora do projeto.
Seguindo para Uruará, destino final da Caravana, as mulheres aproveitaram o momento para fazer o lançamento do III Edital do Fundo Luzia Dorothy do Espírito Santo (FLDES). Intitulado “Mulheres: Fortalecimento da Agroecologia, com Autonomia, Empoderamento e Sem Violência”, este recebe um significado especial por marcar a expansão do Fundo às regiões da Transamazônica e da BR 163. Antes a sua atuação se dava somente na região do Baixo Amazonas.
Em uma intervenção ao final do encontro, a indígena Raquel Farias, da etnia Tupinambá, firmou a necessidade de ocupar as redes sociais, as mídias populares, fazer parcerias com escolas e igrejas para denunciar o agronegócio e a violência contra as mulheres. “A gente não pode mais se calar. Precisamos usar todos os meios de resistência. Todos nós precisamos do nosso território pra plantar, pra sobreviver, pra manter a nossa vida em harmonia com a natureza. Hoje a gente não pode só viver no caminho do capitalismo porque as consequências estão aí. É grilagem, é a violência contra as mulheres, as nossas crianças adoecem”, disse.
Em defesa do Bem Viver
Ao fim da Caravana, os participantes produziram uma carta em defesa do Bem Viver, resultado das reflexões coletivas feitas durante as experiências vivenciadas. Além de denunciar a pressão do capital financeiro sobre os povos e as comunidades tradicionais, a violação de direitos e a exploração dos recursos existentes na Amazônia, o documento apresenta propostas a serem consideradas na luta em defesa da região e de seus povos.
[1] Jornalista do Fundo Dema.