30/09/2020 18:45

Daniela Meirelles¹

Neste texto, vamos falar das mulheres quilombolas do Sapê do Norte, no Espírito Santo (ES), que enfrentam, cada uma a seu modo, a opressão, a violência e a exclusão. Aqui falamos especificamente dos conflitos com a Suzano S/A (fusão da Fibria, ex-Aracruz Celulose, com a Suzano Papel e Celulose), a maior produtora mundial de celulose. No ES, além de centenas de hectares de plantios de eucalipto próprios e em áreas de terceiros, a Suzano possui três fábricas no município de Aracruz (construída sobre uma aldeia tupiniquim), um porto (Portocel, em parceria com a Cenibra) e anunciou recentemente a construção de uma fábrica de papel higiênico no sul, mirando outros mercados. Desde quando chegou, na década de 1960, governos de diferentes tendências assumiram o poder, mudaram acionistas no comando da empresa e o projeto agressivo de monocultivos – químicos – industriais permanece o mesmo buscando se expandir a qualquer custo, ilimitadamente. 

Só no município de Conceição da Barra, a empresa controla 62% da área do município (53 mil hectares de eucaliptal) e tenta se expandir por mais 5 mil hectares, mesmo que a prefeitura não a autorize, desrespeitando a Lei Orgânica do município, que prevê a redução gradual até um limite de 20% em toda área plantada, e com a Justiça (que sempre está do seu lado) força um licenciamento ambiental com “audiência pública” virtual em plena pandemia. Já na região norte do estado, a Suzano S.A. é herdeira de “passivos” socioambientais bastante ativos, causadores de conflitos exercidos com violência, opressão e exploração. Características também da sociedade patriarcal e machista, que criou este modelo desenvolvimentista e que tão bem se expressa em todos os momentos da existência das empresas de celulose.

Sempre com o apoio do Estado e como projeto de governo, essas empresas chegaram intimidando as cerca de 12 mil famílias quilombolas que habitavam o Sapê do Norte (região que compreende os municípios de São Mateus e Conceição da Barra), ludibriando por melhores condições de vida, invadindo seu rico território de Mata Atlântica e destruindo casas, plantios e a floresta. 

Nas costas delas 

As mulheres (em geral, negras), como sempre, foram as mais impactadas. As que foram expulsas de seu território tiveram que buscar sobreviver nas periferias urbanas, na maior parte dos casos em condições de vida e de trabalho humilhantes. As que conseguiram permanecer, vivenciaram toda a destruição como uma verdadeira mutilação em seus corpos-territórios. Cercadas por uma vastidão de monocultivo de eucalipto, afastadas dos seus parentes, privadas do acesso à verdadeira floresta, impedidas de realizar seus ritos sagrados da mata, sem condições de produzir os seus bens materiais, alimentares, medicinais e culturais… uma transformação radical, imposta e violenta. Mesmo que essas empresas tentassem, não haveria compensação possível para tamanhas perdas por tantas gerações.

Sem remuneração e sem o devido reconhecimento do valoroso trabalho que as delegaram (o doméstico, do cuidado com a saúde, educação e família), esta exploração das mulheres condiz com a expansão do capital sobre todas as fronteiras. Neste caso, a sobrecarga das mulheres e as desigualdades de gênero expressam a ditadura do capital. Muitos homens saíram para buscar trabalho fora das comunidades – já que as promessas de emprego nunca se realizaram de fato -, a terra e a água reduziram muito em quantidade e qualidade, comprometendo a segurança alimentar e nutricional das famílias. Com a larga utilização de herbicidas e agrotóxicos pela empresa (alguns como o glifosato, proibido em diversos países), as condições de saúde pioraram muito. É frequente, por exemplo, ouvir relatos de casos de miomas entre as mulheres. A educação mudou do/no campo para da/na cidade com o fechamento de muitas escolas rurais, as crianças tem que se deslocar para as cidades em transportes e estradas precárias.

Quando as comunidades quilombolas e as mulheres se organizaram e reivindicaram empregos para elas, o que ofereceram foram vagas para aplicação de agrotóxicos e com os riscos para elas próprias assumirem. Quando educam suas crianças a partir de seus saberes tradicionais, plantando coletivamente mudas nativas, a empresa pulveriza veneno destruindo estes cultivos. Quando cultivam seus ritos e práticas medicinais a partir do dendê, a empresa e a prefeitura arrancam argumentando serem árvores exóticas. Quando conseguem um contrato para comercializar alimentos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a prefeitura as discrimina e rejeita seus produtos. Quando tentam recuperar as nascentes que a empresa destruiu, gestores públicos exigem plano de manejo.

Mas, ainda assim, sem consulta livre, prévia e informada e a demarcação de seus territórios, a força imprescindível e ancestral das mulheres têm impulsionado a permanência e retomada de seus territórios, a luta por direitos, de defesa da vida e por igualdades de gênero.

Gratidão eterna a estas mulheres que iluminam caminhos!

[1] Educadora do programa da FASE no Espírito Santo.

 

 

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