02/09/2008 09:59
Fausto Oliveira
A realidade de restrições a direitos fundamentais vivida por 39 comunidades quilombolas do norte do Espírito Santo é alarmante. Assessorados pela Fase Espírito Santo, estes habitantes tradicionais daquela região sobrevivem em condições tão adversas que sua miserabilidade chega ao ponto da insegurança alimentar e nutricional extrema. Na raiz do problema, é claro, está a monocultura de eucalipto que tomou conta do norte do estado por causa da empresa Aracruz Celulose. Sem reservas de água, com pouca terra, sem biodiversidade no entorno e isolados, os quilombolas vivem sob ameaça permanente de fome. Entre as muitas iniciativas para apoiá-los, uma visita de um dos principais conselhos do governo federal, em setembro, poderá começar a mudar esta situação.
Nos dias 23 e 24 de setembro, uma comissão do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) vai visitar as comunidades quilombolas do Sapê do Norte, como é conhecida a região que abrange os municípios capixabas de São Matheus e Conceição da Barra. Lá, os conselheiros vão ver de perto o que vivem os quilombolas e assim tomar alguma iniciativa de melhora que venha da esfera federal, e que por isso tenha maior poder de influenciar pela garantia de seus direitos, destacadamente o direito humano à alimentação.
Marcelo Calazans, coordenador da Fase Espírito Santo, explica que hoje sete das 39 comunidades recebem cestas básicas para sobreviver. As restantes se viram como podem, isoladas no eucaliptal e com pouco acesso a formas de gerar renda para suas famílias. “Muitos processos podem se desdobrar daí. Não apenas a ação emergencial de universalizar a distribuição de cestas básicas, mas pode-se aprofundar a qualidade dessas cestas, que podem comprar alimentos das comunidades e assim alavancar a agroecologia nestas comunidades. O fundamental é pensar uma estratégia de segurança alimentar que alavanque a capacidade produtiva das próprias comunidades. Programas como aquisição antecipada de alimentos, a compra de cesta básica e a merenda escolar podem adquirir o mais possível itens da própria comunidade, pois isso reforça a agroecologia, reforça culinária tradicional, gera renda, fortalece o ator social. A cesta básica é válida num cenário de fome, mas se pudermos fazer mais do que isso, e alavancarmos a economia local, isso é o passo decisivo”, diz ele.
A comissão do Consea que visitará os quilombolas do Sapê do Norte é a mesma que conheceu de perto a situação de desnutrição aguda vivida por indígenas no Mato Grosso do Sul em 2007. Naquela ocasião, crianças indígenas estavam morrendo por falta de comida. Após a visita, foram articuladas medidas de proteção e garantia do direito à alimentação, e de lá para cá já houve melhora (muito embora a soberania dos povos tradicionais no quesito alimentação dependa sempre de acesso legítimo e estável a terra). Para Marcelo, a situação dos quilombolas capixabas não é muito diferente. “Um quilombola nascido em comunidade quilombola tem chances de desnutrição muito maiores do que muitos outros grupos sociais específicos em outras regiões do país”, diz. A ver se a boa experiência de fiscalização e direitos no Mato Grosso do Sul se repete no Espírito Santo.