14/08/2006 13:18
Os Caciques e Lideranças dos Povos indígenas Tupinikim e Guarani que estiveram em Brasília nos dias 13 e 14 de julho, em visita à FUNAI e ao Ministério da Justiça para monitorar o processo de demarcação das terras no Espírito Santo, lançam uma carta aberta ao Presidente da República e outras autoridades na qual fazem um pequeno resgate histórico da questão, expõem o que ouviram dos representantes dos órgãos públicos e apresentam suas posições.
Carta aberta da Comissão de Caciques e Lideranças Tupinikim e Guarani
Aracruz, 07 de agosto de 2006
Assunto: Demarcação das terras Tupinikim e Guarani no Espírito Santo
Ao: Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Justiça, Sr. Márcio Thomaz Bastos
Presidente da Funai, Sr. Mércio Pereira Gomes
Exmos. Senhores,
Nos dias 13 e 14/07/2006, estivemos em Brasília onde visitamos a FUNAI e o Ministério da Justiça para monitorar o processo de demarcação das nossas terras no Espírito Santo.
Nesta carta, queremos expressar nossas preocupações com o que ouvimos dos órgãos responsáveis e comunicar a nossa posição a respeito.
Antes disso, cabe um pequeno resgate da nossa luta mais recente:
– Conscientes que um ato inconstitucional do ex-Ministro da Justiça Íris Rezende, em 1998, permitiu que a Aracruz Celulose continuasse explorando 11.009 ha das nossas terras, decidimos em assembléia geral, em 17 de fevereiro de 2005, retomar a luta para recuperar essas terras;
– Em 12 de maio de 2005, o Ministério Público Federal do ES, após apurar as irregularidades nos procedimentos de demarcação em 1998, recomendou ao Sr. Ministro e ao Sr. Presidente demarcar e homologar estes 11.009 hectares;
– Em 17 de maio de 2005, na certeza de que as terras nos pertencem, iniciamos com mais de 500 parentes a auto-demarcação das nossas terras que, contando com a área já demarcada e homologada de 7.061 hectares, totalizam 18.070 hectares. Reconstruímos duas das dezenas de aldeias extintas com a invasão da Aracruz Celulose nas nossas terras.
– Em 2005, fomos várias vezes para Brasília onde ouvimos da FUNAI e do Ministério da Justiça o firme propósito de corrigir o erro cometido em 1998 e demarcar integralmente nossas terras. A FUNAI declarou por escrito (ofício 283 DAF/FUNAI em 12/05/2005) a validade dos estudos, elaborados entre 1994 e 1998, e que comprovam que as terras indígenas no Espírito Santo são 18.070 hectares.
– Mesmo assim, em 7 de outubro de 2005, tivemos que ocupar as fábricas da Aracruz Celulose para que nosso processo tivesse andamento, resultando na criação pela FUNAI do GT 1299/2005, para realizar estudo complementar aos relatórios já feitos. O resumo do relatório deste estudo foi publicado no Diário Oficial da União no dia 20 de fevereiro de 2006.
– Mas antes disso, no dia 20 de janeiro de 2006, fomos em pleno Século XXI humilhados e feridos numa ação covarde e ilegal da Polícia Federal, em conjunto com a Aracruz Celulose, que destruiu as duas aldeias que a gente tinha reconstruído. Nunca esqueceremos desta ação e do fato de que a FUNAI e Ministério da Justiça não agiram para impedi-la.
– Em 31 de janeiro de 2006, nos reunimos com Presidente Lula em Vitória-ES e posteriormente com o Ministro da Justiça e o Presidente da FUNAI em 9 de fevereiro. Neste último encontro foram estipulados os prazos para a demarcação das terras a partir da publicação do relatório do GT 1299/2005 o que ocorreu no dia 20 de fevereiro. Portanto, os prazos definidos foram os seguintes (segundo o decreto 1.775/96):
1. – 90 dias de contestação: até 20 de maio;
2. – 60 dias para FUNAI fazer seu parecer sobre a contestação, e encaminhar o processo para o Ministro da Justiça: até 20 de julho;
3. – 30 dias para o Ministro fazer a portaria de delimitação: até 20 de agosto.
Na ocasião, o Ministro da Justiça afirmou que “estamos firmemente dispostos a fazer a coisa direito e rápido”.
– Em maio de 2006, ficamos sabendo do primeiro atraso: a FUNAI concedeu mais 30 dias de prazo para Aracruz contestar o relatório do GT 1299/2006, por causa de erros cometidos pela própria FUNAI. Posteriormente, no dia 1º de junho de 2006, o Procurador da FUNAI, no “I Seminário sobre Direitos Indígenas e o Avanço do Agronegócio”, realizado em Vitória-ES, prometeu que a FUNAI faria seu parecer sobre a contestação da Aracruz em no máximo 30 dias, para que o Ministro pudesse receber o processo ainda em 20 de julho.
Porém, o dia 20 de julho já se passou e o Ministro da Justiça ainda não está com o processo. Durante nossa visita a Brasília, no dia 13 de julho, ficamos sabendo que:
– a FUNAI alegou que precisa do prazo completo de 60 dias para analisar linha por linha da contestação que contém nada menos de 36 volumes de mais de 300 páginas cada. Sendo assim, no dia 20 de agosto, a FUNAI espera entregar seu parecer, com o conjunto do processo, ao Ministro da Justiça;
– os assessores do Ministro da Justiça nos disseram que quando receberem o processo da FUNAI, precisam re-analisá-lo e certamente vão precisar de 30 dias, ou até mais do que isso, para tal tarefa. Isto não é verdade, pois a FUNAI, órgão ligado ao Ministério da Justiça, fará a análise necessária da contestação da Aracruz. O Ministério da Justiça assinará as Portarias considerando os estudos, as contestações e os pareceres produzidos. Por isso, o decreto 1.775/96 determina um prazo menor de 30 dias.
Neste momento, estamos preocupados com os prováveis atrasos anunciados pelos representantes dos órgãos responsáveis. Além disso, estamos em período eleitoral e sabemos que a Aracruz Celulose é uma grande financiadora de campanhas, inclusive de candidatos do Governo Lula.
Diante dessas informações nossa posição é a seguinte:
– Entendemos que a FUNAI precisa fazer um bom parecer sobre a contestação da Aracruz e de alguns outros posseiros. Mas não aceitamos de jeito nenhum que ela extrapole os 60 dias legalmente estabelecidos para isso.
– Não aceitamos que o Ministério da Justiça faça uma re-analise do processo, algo que o Sr. Ministro da Justiça não discutiu em nenhum momento conosco. Ao contrário, garantiu que seu ato seria rápido e que tinha plena confiança na competência da FUNAI.
Queremos confiar nas palavras do Presidente Lula e do Ministro da Justiça. Porém, não aceitamos, em hipótese alguma, atrasos, protelações e atos ilegais contra nossos direitos. Chega de humilhação.
TERRA É DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS!
Comissão de Caciques e Lideranças Tupinikim e Guarani