Suzana Devulsky e Marina Malheiro
17/07/2024 18:41
Neste mês de julho, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a regularização urgente do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, em Santarém–PA. Aos representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra) foram recomendadas diversas medidas para que o plano de regulamentação seja realizado com a participação das associações locais e entregue no prazo de 90 dias. Segundo o documento, a regulamentação fundiária e titulação coletiva do PAE Lago Grande devem ser concluídas em um ano.
Apesar dos quase 20 anos de história, o assentamento nunca teve sua área regularizada, o que representa uma violação dos direitos das famílias assentadas. Para Pedro Martins, educador da FASE Amazônia, é fundamental corrigir os erros do passado:
“A recomendação é importante e precisa ser cumprida porque são ações indicadas sobre a regularização fundiária para a garantia de território de comunidades tradicionais. A Gleba Lago Grande da Franca foi indevidamente recortada pelo próprio Incra, esse erro precisa ser reparado com a celebração do CCDRU (Contrato de Concessão de Direito Real de Uso)”, comentou.
A falta de regularização também deixa a população vulnerável a ataques de grupos criminosos, que tem como alvo prioritário as/os ativistas e defensoras/os de direitos humanos que atuam na região. Nas últimas duas décadas foram registrados inúmeros casos de ameaça, perseguição, invasão de prédio e tentativa de emboscada. Em vista disso, o MPF também enviou recomendações para a Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF) com o objeto de cuidar da segurança das equipes de regularização e das defensoras e defensores dos direitos humanos. Julianna Malerba, assessora do NuPA, avaliou a situação:
“Essa recomendação é importante por muitas razões. Primeiro, ela evidencia o quanto o direito à terra é um pilar imprescindível à garantia de muitos outros direitos. A falta de acesso seguro e estável à terra afeta o direito à moradia, à alimentação, ao trabalho e, infelizmente, no Brasil também afeta o direito à própria vida. As ameaças que lideranças do PAE Lago Grande vivem, e sobre as quais o MPF busca intervir ao publicar esse documento, é um exemplo claro dessa conexão: todas as recomendações expedidas visando a proteção de defensores e defensoras de direitos ameaçados apontam para a necessidade de que se conclua o processo de regularização fundiária, que se arrasta há quase 20 anos”.
Juliana apontou ainda para a relevância da recomendação no que diz respeito ao mecanismo de titulação coletiva, uma reivindicação histórica dos movimentos responsáveis pela criação do assentamento.
“A titulação coletiva protege um conjunto de praticas produtivas existentes em terras tradicionalmente ocupadas, como o PAE Lago Grande. Nelas, a produção familiar se organiza não apenas a partir da roça cultivada nos terrenos de posse familiar, mas dos quintais, da caça, da pesca, do extrativismo, do uso compartilhado de espaços comuns e também do acesso sazonal e comum a porções do território, a exemplo das várzeas. A titulação coletiva, além de proteger as áreas de posse familiar, assegura que essas áreas de uso compartilhado permaneçam sob controle das comunidades que decidem coletivamente como utilizá-las. Ao mesmo tempo, a titulação coletiva fortalece a organização comunitária e, consequentemente, o poder de pressão das famílias sobre o Estado e em face dos interesses econômicos que miram suas terras, como é o caso do PAE Lago Grande”, concluiu a assessora do NuPA.
Vale lembrar que a regularização também é uma forma de proteger a fauna e a flora locais, ameaçadas por atividades criminosas como grilagem de terras, caça predatória e garimpo ilegal. Por fim, a regularização fundiária e titulação do PAE são formas de diminuir a desigualdade social e facilitar o acesso a políticas públicas para as 35 mil pessoas integrantes das 155 comunidades de famílias extrativistas, ribeirinhas, pescadoras artesanais e indígenas que compõem o PAE.
*Comunicadora e estagiária da FASE, respectivamente