04/08/2006 12:07

Fausto Oliveira

Há uma nova economia nascendo no mundo, a economia solidária. Numa época em que o emprego tradicional sofre profundas reformulações sob a batuta do mercado, que joga numa crise aguda as relações de trabalho e as estruturas produtivas consolidadas no século 20, mais e mais pessoas dependem de alternativas para ter renda. Grupos populares, muitos dos quais vítimas do desemprego crônico, estão encontrando solução no trabalho associativo. Em paralelo, organizações sociais como a FASE ajudam estes grupos a se transformar em redes, por meio das quais vêm conseguindo sua reinserção econômica.

Na FASE, o programa Direito ao Trabalho e à Socioeconomia Solidária ajuda a integrar estes grupos produtivos em redes que os potencializam. Rosemary Gomes, assessora da FASE para este tema, falou ao Fase Notícias sobre o estado atual do movimento de economia solidária e de comércio justo. “Economia solidária não é sinônimo de cooperativa, mas ela é centralmente focada em associativismo. Para ela, não se trata do empreendimento individual, e sim de associações, cooperativas e grupos produtivos”, diz ela.

Mas essa é uma proposta de muitas faces. Apenas o associativismo é um fator comum, todo o resto é variado: há núcleos de economia solidária que produzem no campo e na cidade, há quem produza artesanato, quem manufature produtos naturais, quem empregue tecnologias. Enfim, uma miríade de possibilidades produtivas autônomas, em que os grupos de trabalhadores associados governam todas as etapas do trabalho e da comercialização, dividindo custos e ganhos entre si. O resultado: são trabalhadores que se auto-empregam coletivamente e crescem, impulsionam a economia dispensando os critérios sempre difíceis do empresariado dos grandes investimentos.

E a comercialização destes produtos, inicialmente muito dificultada pelo preconceito, agora começa a ser bem aceita por vários circuitos de mercado. Segundo Rosemary, existem pontos de venda em lojas especializadas, principalmente na Europa, e cada vez mais cadeias de supermercado se interessam por vender produtos alternativos às grandes marcas. Por que? Porque o produto da economia solidária é feito de acordo com padrões de respeito ao meio ambiente e de ética nas relações de trabalho.

Para impulsionar a inserção da economia solidária em todo o mundo, o movimento se organiza em redes. No Brasil, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária é uma instância de organização de grupos produtivos, que passam agora a se inserir internacionalmente por meio da RIPES, Rede Intercontinental de Promoção da Economia Social Solidária. “A RIPES está em cinco continentes. Na América do Sul, eu e uma companheira do Peru representamos esse conjunto de organizações. Nosso trabalho é criar uma sinergia e uma confluência de atores que estavam fragmentados. Existiam redes regionais, subregionais (nos Andes, no Mercosul), redes temáticas (como de moedas solidárias e comércio justo) e a gente tenta juntar todas elas na RIPES.

Em Havana, o movimento mundial de economia solidária estará reunido em novembro. Lá, uma das principais discussões será em torno do comércio justo. Esta noção de comércio justo é um tema que aglutina muitos atores do movimento de economia solidária. “É um tema que dá visibilidade concreta às nossas propostas para mudar a economia, em favor de relações mais éticas e justas de comércio”, diz a assessora da FASE.

Segundo ela, o comércio justo (ou fair trade) é uma idéia que nasceu como uma forma de fazer com que produtos de países em desenvolvimento chegassem em condição de igualdade a países desenvolvidos. Hoje, contudo, esse debate se ampliou. “Ele nasceu da verificação de que produtores do sul não tinham acesso a mercados do norte. Mas hoje o debate é outro. O prioritário não é o acesso ao mercado, é a construção de novos mercados, mercados locais, construir o desenvolvimento local e a sustentabilidade deste desenvolvimento”.

É a nova economia, que já nasceu e começa a andar com seus próprios pés. Antes, falar de economia solidária significava pensar em formas de consertar situações dramáticas de desemprego e precarização social. Hoje, já se fala em políticas para inserir os trabalhadores associados no processo de desenvolvimento dos países. “O que está por trás desse movimento é sair daquele patamar em que tínhamos de trabalhar com a economia popular urbana, os precarizados, a marginalidade e a fragmentação, e passar a trabalhar no plano político. Temos plataformas políticas, principalmente no campo das políticas públicas, para fazer com que esses grupos sejam inseridos em processos formativos, de autogestão, processos produtivos mais sustentáveis”, afirma Rosemary Gomes.