23/10/2014 15:50
Não tendo votado no PT no primeiro turno, a militante histórica da luta pela Reforma Urbana Raquel Rolnik justificou o seu voto em Dilma Rousseff no segundo turno das eleições 2014 com o argumento, entre outros, de que “nos governos do PT, ilhas, brechas e espaços de interlocução foram abertos para dialogar com os setores mais excluídos da população”. “Se isso não foi capaz de reverter o centro das políticas, teve o efeito de apoiar experiências e afirmar a legitimidade da luta social e por direitos de cidadania plena no Brasil, ainda inconclusa. Já para o PSDB, governo deve ser território de tecnocratas e movimentos sociais são caso de polícia”, afirmou a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e ex-relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.
Numa das manifestações de apoio à reeleição de Dilma nessa semana, que reuniu 50 mil pessoas no município de Petrolina, em Pernambuco, Decanor Nunes dos Santos, representante da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) mineira, declarou: “[Estamos aqui] pela importância da defesa das políticas públicas que o governo federal tem possibilitado à população na busca de direitos básicos negados há anos”. Naidison Batista, coordenador nacional da ASA, reconheceu, por sua vez, que “já houve momentos em que a entidade criticou a presidente”. Certamente um desses foi o da frustrada tentativa do atual governo de passar o programa “Um Milhão de Cisternas” para as mãos de empresas privadas.
Não foi apenas nesse momento que a sociedade civil organizada fez críticas ao governo do PT. Em março deste ano, por exemplo, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, Roberto Leão, dizia: “Queremos que ela [Dilma] nos receba, que ela nos ouça. Há quatro anos tentamos falar com a presidenta; há quatro anos pedimos audiência e não somos atendidos. A Dilma precisa ouvir os trabalhadores em Educação”.
Entre as ONGs que atuam na defesa dos bens comuns e dos direitos parece amplamente majoritário o apoio à candidatura que pode barrar a restrição do espaço para as lutas sociais, apesar da visão crítica em relação à insustentabilidade e injustiça ambiental que caracteriza o atual projeto de desenvolvimento, em especial em relação à Amazônia.
Por sua vez, lideranças e dirigentes dos partidos de esquerda – a começar por Luciana Genro, candidata no primeiro turno pelo Psol à presidência – têm deixado claro o seu repúdio à candidatura direitista de Aécio Neves (PSDB), sem minimizar o desafio que representa para a esquerda lidar com o dilema colocado pela disputa. A situação também foi bem caracterizada pelo psicólogo e sociólogo argentino Atilio Borón. O Brasil está “entre a restauração conservadora que representa Aécio Neves e a continuidade de um neodesenvolvimentismo atravessado por profundas contradições”.
O problema é que, como argumenta Mauro Iasi, candidato à presidência pelo PCB nessas eleições , essa é a terceira vez em que tal situação se apresenta, lembrando que vivemos situação semelhante nas eleições de 2006 e 2010. Assim, a esquerda – social e política – enfrenta novamente as consequências de um processo no qual a perda de iniciativa dos movimentos sociais e a falta de articulação da esquerda anticapitalista colocaram estas forças a reboque do PT, impossibilitando a construção de uma alternativa contra-hegemônica ao bloco dominante.
No entanto, há sinais na presente conjuntura de que se configuram novos elementos para avançarmos no processo de radicalização da democracia. Os movimentos sociais vêm revelando crescente impaciência frente ao papel passivo que lhes tem sido reservado pelo lulismo, caminhando já agora na contramão da despolitização produzida pela política de conciliação de classes do PT. A mobilização social de junho de 2013 não deve ser esquecida nem desprezada, ainda que não tenha encontrado expressão adequada no plano político-eleitoral. Acumulam-se as reflexões autocríticas das esquerdas em relação a sua desarticulação e falta de iniciativas conjuntas. E, não menos importante, a candidatura Dilma teve de assumir em 2014 um alinhamento explícito com as classes populares, o que vem se traduzindo nas pesquisas eleitorais numa clivagem clara dos segmentos da população que apoiam majoritariamente os dois candidatos.
Nossa conclusão é que, derrotada a candidatura reacionária de Aécio, o verdadeiro desafio para a esquerda vai se colocar depois do dia 26 de outubro. O “terceiro turno” das eleições de 2014 exigirá que organizações, partidos, movimentos sociais e todas as outras forças comprometidas com a radicalização da democracia evitem uma recaída nas ilusões passadas acerca do “governo em disputa”. Acreditamos que esses setores devem centrar suas forças na mobilização da sociedade em torno de uma alternativa ao atual modelo neoextrativista e ao neodesenvolvimentista, na construção coletiva de um projeto para o Brasil que seja sustentável e que universalize direitos sociais, econômicos, culturais, ambientais, civis e políticos.