20/12/2017 12:51
Ricardo Costa¹
No dia 6 de dezembro desse ano, guiei um grupo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pelo Caju a fim de mostrar as violações ambientais que assolavam o bairro, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro. Durante o trajeto, cheguei a dizer que, embora o fluxo de carretas fosse intenso, a possibilidade de acontecer acidentes com vítimas fatais era rara. Dois dias depois, a realidade disse o contrário. Um morador da Quinta do Caju, uma das localidades do bairro, morreu instantaneamente ao ser atingido por um container, que se desprendeu de uma carreta. O veículo levava várias toneladas de sacos de cimento branco. Essa tragédia, que tirou a vida de um homem de aproximadamente 50 anos, se estendeu ao caminhoneiro envolvido no acidente. Ele entrou em estado choque, foi acometido de vários infartos e acabou não resistindo, vindo a falecer no hospital.
Esse triste episódio me fez pensar que a possibilidade de acidentes sempre existiu e que, talvez, por sorte muitas outras fatalidades como essa não tenham ocorrido nos últimos anos. Mas não é a primeira vez que uma morte assim acontece no Caju. Há quase 20 anos, uma senhora de cerca de 70 anos foi vítima de situação semelhante envolvendo uma carreta. Ela aguardava o momento de atravessar a rua, quando, no final de uma curva, um container se desprendeu dos dollies, pinos de encaixe, vindo a cair sobre a idosa.
Infelizmente, nem mesmo a morte dessas pessoas fazem as autoridades olharem para o Caju. Como se não bastasse a negligência das agências reguladoras de trânsito, dentro e fora do cais do porto, as próprias carretas são, literalmente, sucatas sobre rodas. Muitas delas têm mais de 50 anos de uso. Até poucos anos atrás, ainda se via circulando pelas ruas do Caju carretas do início da década de 1960 da extinta Fábrica Nacional de Motores (FNM). Mas, por que isso acontece? Porque é mais barato contratar um “pirangueiro”, isto é, o dono de uma carreta pirata, portanto, sem fiscalização. Um pirangueiro cobra até quatro vezes menos que uma carreta regulamentada com todas as garantias, seguro inclusive. Se uma firma autorizada leva um container do Caju para o bairro Sepetiba, distante quase 70 quilômetros, por R$ 800, um pirangueiro cobra R$ 200. Dessa maneira, os donos da encomenda, ao economizar no preço do serviço, abrem um precedente mortal para a população cajuense, pois todos se tornam vítimas potenciais das carretas piratas.
Imagens de um agente da Guarda Portuária recebendo propina para liberar a circulação de carretas velhas dentro do porto já foram exibidas na TV. Parece, contudo, que nada mudou depois da denúncia, porque o que assistimos, na verdade, foi um aumento no fluxo de carretas pelo bairro. Isso vem crescendo ano a ano. Trata-se do que Aercio de Oliveira² apontou em artigo intitulado “Bairro do Caju, de balneário real a zona de sacrifício ambiental”. Ele diz que o Caju está sendo “containerizado”. É isso mesmo que está em curso: o bairro está condenado a virar um bairro-dormitório e um bairro-garagem para atender às demandas das operações portuárias. Cabe lembrar que o bairro foi retirado do projeto de “revitalização” da área portuária chamado “Porto Maravilha”, fazendo com que ficasse com todas as “operações sujas”, sobras da gigantesca área portuária que chegava aos limites da Praça Mauá, segundo Elaine Baptista Alves³, em sua dissertação de mestrado denominada “O bairro do Caju: a construção de uma periferia empobrecida”.
Todavia, não cabe aqui penalizar somente os caminhoneiros, pois essa categoria por várias vezes pediu nas reuniões da REDE para que fizessem um truck center nas áreas de obsolescência da região portuária, pois são muitas. A REDE, uma reunião sócio-assistencial em que participam instituições governamentais, não-governamentais, empresas e moradores, que acontece sempre na última quinta-feira do mês, recebe os pedidos, os analisa, mas muito pouco consegue ser posto em prática. Diante desse contexto, a qualidade de vida no bairro vem piorando a cada dia. Apesar das adversidades, existe reação. No próximo 22 de dezembro, por exemplo, ocorrerá uma passeata no Caju para reivindicar a retirada das carretas das ruas do bairro. Ainda que a realidade retire, muitas vezes, a esperança da população do bairro, pelo menos a mobilização se mostra como um ótimo sinal de que estamos unidos e dispostos a mudar, antes que sejamos trocados por carretas ou containers.
[1] Cientista Social. Integra o Grupo Carcará (Comunidades Articuladas do Caju por Reforma e Ação), parceiro da FASE nas lutas pelo direito à cidade.
[2] Coordenador do programa da FASE no Rio de Janeiro. Artigo citado integra a publicação “Direito à Cidade para um Mundo Justo e Seguro: o caso dos BRICS”, organizada pelo BRICS Policy Center.
[3] Mestrado em Geografia, em 2007, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).