01/03/2016 13:48

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Opressão das mulheres fortalece expansão capitalista. (Foto: Rosilene Miliotti)

O agronegócio, a mineração, a exploração petroleira, as investidas mercantis nas metrópoles, como os megaeventos esportivos, são obstáculos para conquistas em causas políticas como: soberania alimentar, com comida saudável para todas e todos; justiça ambiental, com a defesa de territórios e das culturas que neles se reproduzem; direito à cidade, enfrentando violações e a militarização da vida. Mas chamamos atenção para o fato de o atual modelo de desenvolvimento prejudicar, em especial, as mulheres, principalmente as negras, as indígenas e as mais empobrecidas pelo atual sistema econômico. No Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, reforçamos que o machismo e a violação dos direitos  das mulheres têm caráter estruturante, ou seja, são centrais para a expansão capitalista e para a reprodução das desigualdades.

Lutar por transformações junto às mulheres é uma causa incorporada à FASE, o que nos desafia a pensar nas transversalidades das questões de gênero. As intervenções aceleradas do desenvolvimentismo brasileiro impactam diretamente a vida e o corpo das mulheres que vivem nos espaços urbanos, rurais, nos rios, nos sertões, nas florestas… O mercado, em íntima articulação com o Estado, segue impondo decisões até mesmo aos seus úteros, uma prova que a democracia brasileira ainda tem muito que se aprofundar. Diante disso, mulheres continuam se movimentando e se afirmando, sejam como negras, faveladas, margaridas, pescadoras, vadias, lésbicas ou mulheres trans, demarcando identidades que se reconhecem no coletivo de sermos uma e de sermos todas.

Brasília - Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver em Brasília, reúne mulheres de todos os estados e regiões do Brasil (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Marcha das Mulheres Negras em Brasília.(Marcello Casal Jr/ABr)

Apesar das diferentes análises que compõem um verdadeiro leque de ações e de visões políticas, algo permanece fundamental: a auto organização das mulheres como estratégia necessária, a ser combinada com outras, para contrapor o modelo patriarcal de funcionamento do mundo. E os efeitos dos feminismos em marcha já podem ser sentidos pela sociedade: ela se beneficia com a emergência de debates e conquistas das mulheres, mas também sofre o recrudescimento de forças que promovem intolerância. A emancipação das mulheres sempre incomodou e continua incomodando.

Parte da sociedade brasileira não suporta nem mesmo que reflexões de uma mulher libertária sejam tema no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), nem se acostumou com a ideia de ter uma presidenta. Críticas precisam ser feitas ao governo de Dilma Rousseff, por que vemos então o corpo, as rugas ou a orientação sexual da mulher que preside o país serem temas de discussão? É simbólico e culturalmente importante que esferas historicamente consideradas masculinas sejam ocupadas por mulheres. Por outro lado, está claro que isso não basta. O conservadorismo, em diversas escalas, continua mostrando mais e mais a sua face pelo país. Retrocessos chegam por decisões no parlamento e do poder Executivo. Por exemplo, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM), sempre com orçamento aquém do necessário frente a importância da pauta, foi um dos primeiros órgãos a perder status com o chamado “ajuste fiscal”.

Rio de Janeiro - Protesto no Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher, pelo fim da violência contra as mulheres e contra o PL 5069/13, em frente à Câmara de Vereadores (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Placa no Dia de Combate à Violência contra a Mulher, no RJ. (Fernando Frazão/ABr)

A publicação “As mulheres nas eleições 2014”, da própria SEPM, destaca que apesar delas serem a maioria da população, a presença das mulheres na Câmara não chega aos 10%. A representação negra atinge 20%, com base na autodeclaração feita no registro das candidaturas. A população indígena continua excluída do Legislativo. Já os homens ocupam 72% das cadeiras da Câmara. Como demonstram os dados , o parlamento brasileiro é masculino, branco e empresarial.

Enquanto isso, avançam Projetos de Lei que visam derrubar conquistas. É o caso do PL 6583/2013, o “Estatuto da Família”, que desconsidera a existência da diversidade de vínculos socioafetivos, e do PL 5069/2013, de autoria do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB/RJ), que cria dificuldades para que mulheres vítimas de violência sexual sejam atendidas em unidades de saúde. Soma-se a esses o Decreto 8425, que prejudica a pesca artesanal como um todo e impõe mais obstáculos para que pescadoras comprovem o seu ofício. Nessa profissão, assim como na agricultura familiar, muitas vezes as mulheres são vistas como “ajudantes”, algo que faz lembrar o machismo de frases que enaltecem os homens que “ajudam” na limpeza da casa e na criação dos filhos e filhas. Ora, não há duvida de que ainda é preciso clamar pelo respeito às diferenças, por direitos iguais e contra as subordinações. Uma bela forma de fazer isso é a atual politização do cuidado, como na luta pelo parto humanizado e pela ampliação das licenças maternidade e paternidade.

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É preciso clamar por respeito às diferenças e igualdade de direitos. (Foto: Rosilene Miliotti)

As mulheres foram trabalhar fora, mas os homens não assumiram as tarefas do lar. Considerando a soma do trabalho remunerado com o realizado em casa, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 10 anos a diferença entre as jornadas de mulheres e de homens cresceu em uma hora. Em 2004, elas trabalhavam quatro horas a mais que eles por semana. Em 2014, a jornada feminina chegou a cinco horas a mais. Enquanto elas trabalham, em média, 20 horas por semana nos domicílios, eles, assim como há uma década, se ocupam com isso apenas 10 horas. Ou seja, metade do tempo gasto por elas. É preciso reafirmar o significado político da defesa da autonomia econômica das mulheres. Leis que dão mais direitos para as empregadas domésticas até geram esperança, porém também nos fazem lembrar que são elas as que continuam nos postos de trabalho com salários mais baixos.

Outro enfoque central é o combate às agressões físicas e psicológicas. O “Mapa da Violência 2015” destaca que 50% das mortes violentas de mulheres no país são causadas por pessoas próximas, a maioria por cônjuges ou ex-cônjuges. Entre 2003 e 2013, considerando o crescimento da população feminina, a taxa nacional de homicídio de mulheres teve aumento de quase 9%. Hoje, pelo menos 13 mulheres são assassinadas diariamente no país. Os municípios pequenos registram os mais altos índices de homicídios de mulheres. No Brasil, com seus meios de comunicação extremamente concentrados nas mãos de grandes corporações econômicas, os feminicídios, isto é, assassinatos causados pelo simples fato de serem mulheres, continuam sendo tratados como crimes passionais.

Índios que estão acolhidos na Casa de Passagem Indígena em Curitiba fizeram uma manifestação na manhã desta sexta-feira (8) contra a morte do menino indígena Vitor Pinto, de 2 anos, na última semana em Imbituba (SC). Curitiba, 08/01/2016 - Foto: Daniel Caron/FAS

Meninas indígenas Kaigang protestam em SC. (Foto: Daniel Caron/Fotos Públicas)

Mesmo diante de todos esses entraves, na nossa avaliação, mulheres da FASE, companheiras de organizações, movimentos sociais, sindicatos, associações, fóruns, redes, dentre outros, têm sido protagonistas de mobilizações por mudanças profundas. Elas colocam em xeque o consumismo, a vida sem qualidade e a exploração dos bens comuns, como a água, o ar e a terra.  Elas estão na construção de uma padaria comunitária sem patrões na Amazônia; lutando pela demarcação de territórios quilombolas no Espírito Santo; enfrentando fuzis de uma “segurança pública” que promove o genocídio das juventudes no Rio de Janeiro; construindo convivências mais democráticas como catadoras de recicláveis em Pernambuco; e semeando agroecologia no Mato Grosso e na Bahia. Em resumo, as mulheres estão criando alternativas e resistências entre os vários povos e em diversos espaços, pois “lugar de mulher é onde ela quiser”. E um dos lugares que as mulheres têm reivindicado para si, definitivamente, é o das lutas.

Leia em inglês.