03/04/2018 15:41

Imagine que quase um terço da população de uma cidade tenha vivenciado a situação de se ver em meio a um fogo cruzado entre policiais e bandidos. Isso é uma realidade na cidade do Rio de Janeiro, segundo resultados de pesquisa inédita feita pelo Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com o objetivo de monitorar a Intervenção Federal na Segurança Pública.

Foram feitas 1.012 entrevistas presenciais, entre os dias 20 e 22 de março de 2018, com objetivo principal oferecer uma visão ampla sobre medo, risco e vitimização da população carioca e criar uma linha de base para a avaliação e monitoramento da Intervenção Federal na Segurança Pública. Além dos dados, o relatório conta com 11 artigos de pesquisadores.

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Rosilene Miliotti¹

Não me assusta olhar os resultados da pesquisa, principalmente um mês após a dita intervenção militar na cidade do Rio de Janeiro. Estimular o medo é mais fácil e cômodo para o Estado do que pensar e efetivar uma real política de segurança pública. O medo paralisa e “ajuda” a controlar a sociedade, principalmente os mais pobres.

Algumas pessoas devem se lembrar o quanto tinham medo dos seus pais. Se fizessem algo de “errado” tinham a certeza que levariam uma surra, não é verdade? A mãe às vezes até conversava, mas a figura do pai era de rigor, de impor o medo para que fosse respeitado. Vejo o Estado relativamente da mesma forma. Aquele pai que não conversava, apenas punia para que fosse respeitado. Entretanto, sabemos que essa punição varia de acordo com a classe social, cor da pele, gênero e endereço.

“Não saia a noite”, “não tenha celular, carro ou tênis caro”, “não use joias ou relógio” e “avise quando chegar”. Já ouvimos e reproduzimos esses alertas com certa naturalidade. E aí penso o quanto a indústria do medo trabalha bem. “Se você ficar com o celular na mão, você facilita o trabalho do bandido”, mas quem é o bandido? Na real, cariocas (os brasileiros também) sabem que é verdade e isso realmente pode acontecer, mas não pensamos que o Estado deveria garantir que eu pudesse usar meu celular sem medo de que fosse levado por alguém. De que eu pudesse usar um cordão, presente da avó. Que eu pudesse usar minha aliança de compromisso. Que eu pudesse andar na rua a noite de carro ou a pé, sem medo.

Outra consequência do trabalho da indústria do medo é a reação ao bandido. Vejo crescer o número de pessoas que querem pegar em arma para se “defender”. Elas só pensam em defender seus bens, o que é legitimo porque trabalhamos duro para ter, mas não cobram do causador da violência. A cobrança por segurança deve ser do Estado e não de si mesmo.

Como disse anteriormente, o medo paralisa. E nesse caso, paralisa o pensamento crítico. “Não reaja”. Somos roubados todos os dias com a cobrança cada vez mais alta de impostos e nada retorna ao povo. Não temos educação, saúde, infraestrutura e muito menos segurança pública. Quanto mais pobre, menos acesso a direitos e mais cobrança de deveres. Sim, somos muito cobrados a correr atrás para sermos melhores, só assim vamos nos diferenciar dos “bandidos e dos derrotados da favela”, conseguiremos “ser alguém na vida” e viramos exemplo para outros. É uma lógica um pouco absurda essa da meritocracia, mas é assim que funciona para quem está na favela ou na baixada fluminense.

Operação policial na favela Nova Holanda, Maré. Foto: Rosilene Miliotti / FASE

Medo dividido por classe
A pesquisa evidencia que as pessoas entrevistadas têm mais medo do que possa acontecer do que o que realmente acontece. A sensação de insegurança é grande, porém diferente de acordo com a classe social. Uma pessoa da zona sul, por exemplo, certamente terá mais medo de ser assaltada do que ser vítima de violência por parte da PM. Já os moradores de favelas e bairros populares, tem medo de serem assaltados, até porque ninguém quer ter seus bens roubados, mas provavelmente esse indivíduo está mais vulnerável a uma ação truculenta da PM pelo histórico de violações de direitos nessas localidades.

É comum encontrar entre os que moram nas favelas quem guarde com todo o cuidado as notas fiscais da compra de equipamentos como televisão, computador, entre outros. Tudo isso para que, em caso de operação policial, possam provar que tudo foi comprado e não fruto de roubo. Muito provavelmente, os moradores da zona sul e bairros fora de favelas também guardem esses comprovantes, mas apenas para fins de garantia porque não correm o risco da PM entrar em suas casas sem mandado de busca, por exemplo. Aliás, se um morador da favela negar a entrada de um policial e exigir o tal documento, dificilmente não será “esculachado”.

Já o resultado sobre vitimização, 92% dos cariocas tem medo de ser ferido ou morto em um assalto, 39% acha que isso pode acontecer no futuro e 2% dos entrevistados já foram feridos durante assalto. Sobre a pergunta que trata de se ver em meio ao fogo cruzado entre policiais e bandidos, 39% acredita ser muito possível e 30% já se viu nessa situação.

Esse tipo de episódio ultrapassou os limites das favelas e hoje pode acontecer em qualquer lugar, mas lógico que com menos frequência em áreas nobres da cidade. Até porque, de acordo com José Mariano Beltrame ex-secretário e Segurança do Rio de Janeiro, “um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na favela da Coréia é outra”. A afirmação foi feira em 2007, quando a situação da cidade  em relação à violência era diferente. Eu gostaria de saber se ele ainda pensa dessa maneira.

As vias expressas como Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil, com certa frequência são palcos desse tipo de situação e pouca coisa é feita para resolver. 

Assim como em outras situações onde os militares foram para as ruas e tiveram pouco resultado, só a história vai nos dizer o que irá acontecer com a cidade do Rio de Janeiro em relação à violência e ao medo. Mas, se não houver uma mudança estrutural, os resultados continuarão frustrando e teremos mais e mais pesquisas que irão confirmar o aumento do medo e a vitimização.

[1]  Jornalista da FASE e fotógrafa popular.