01/11/2017 11:24

Daniela Meirelles¹

A exploração do petróleo é violenta contra as mulheres. Esta afirmação pôde ser feita depois que a Campanha Nem um Poço a Mais² realizou um encontro e um intercâmbio sobre a questão de gênero em agosto e setembro³, respectivamente.

Encontro do FAE na Ponta da Fruta (Foto: Flavia Bernardes / FASE ES)

Partindo das ameaças e encorajamentos, pudemos trocar com companheiras que trouxeram desde o Fórum Suape, em Pernambuco e o Fórum dos Atingidos Pela Indústria Petroleira e Petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG), no Rio de Janeiro, informações sobre a violência machista-petroleira nos seus estados, que excluem e exploram. O que significou, por exemplo, a chegada de 60 mil “homens de trecho” para trabalhar em Suape – muitos casos de gravidez na adolescência, intensificação do consumo de drogas e tensão com as milícias.

Também com a perda dos mariscos, as mulheres tiveram que migrar para outros territórios e com a remoção forçada de famílias surgiram muitos casos de depressão. Com a Refinaria Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro, a pobreza também foi instalada. O acesso à água ficou cada vez mais difícil, os casos de câncer, infarto e pressão alta se multiplicaram. Além disso, cresceu a prostituição e o número de adolescentes gravidas com a chegada dos “baianinhos” que vieram para trabalhar. Situações que vulnerabilizam as mulheres.

Do Espírito Santo, ouvimos relatos semelhantes de Conceição da Barra, Campo Grande, Povoação, Itaipava, Marataízes e na região metropolitana de Vitória. Desde a população ter dobrado na localidade com os homens que vieram de fora para trabalhar, à discriminação na oferta e contratação de serviços, o não reconhecimento das mulheres pescadoras, a exclusão de áreas de pesca, a contaminação e a perseguição dos órgãos ambientais. São muitas as situações de violência sofridas pelas mulheres que vivem no entorno dos empreendimentos petrolíferos. Inclusive a violência doméstica com preocupantes e frequentes casos de opressão, perseguição e eliminação que o estado também não resolve.

Encontro realizado no Caparaó. (Foto: Flavia Bernades / FASE ES)

Ampliando a escala de luta, trouxemos também a referência das amigas equatorianas que, em leitura de textos, nos ensinaram como o capitalismo sempre explora novas fronteiras, como fazem com as mulheres:

Na prática, assim como as mulheres vêm sendo submetidas ao capital, agora também é a escravidão da natureza que permitiria uma acumulação infinita.”… “Por exemplo, no caso do Equador, as mulheres e a natureza sofrem igualmente e estão submetidas a essa dupla sujeição. A superexploração do trabalho da mulher se soma à criminalização das mulheres que se submetem a um aborto, e a natureza poluída e deteriorada é cercada, seus rios são represados e ela é transformada em provedora de bens e serviços ecossistêmicos. Ambas são postas a serviço da nova matriz produtiva e de conhecimento. Esse plano de modernidade capitalista está criando novos tipos de mulheres, menos emancipadas, e novas naturezas, menos livres.”

Mas o potencial de força e resistência das mulheres é enorme. Inauguram a luta pelo direito de dizer Não e muitas ousam, enfrentam e exigem respeito pelas suas escolhas livres e independentes. A capixaba e bailarina Luz Del Fuego, já na década de 50, foi um exemplo neste sentido. No filme “Divina Luz”, de Ricardo Sá, conhecemos mais desta grande mulher que teve que enfrentar muitos desafios para poder viver a sua natureza.

E pela vontade de dizer Sim, realizamos um intercâmbio entre mulheres envolvidas com a Campanha Nem um Poço a Mais e grupos populares do Distrito de Patrimônio da Penha, na região do Caparaó, em busca de áreas livres para o bem viver, o auto-cuidado e o cuidado com as demais naturezas.

Da guardiã das ervas do Horto São Francisco de Assis, ouvimos sua experiência no resgate destes saberes que conforme ela parte de muita observação, intuição, respeito, trocas e desejo. E neste caso, o desejo é também o das plantas, de onde e quando querem brotar, a quem podem beneficiar com suas propriedades e como se combinam nos terrenos. Conhecemos de perto inúmeras ervas do seu quintal, trocamos informações sobre seus usos medicinais e ainda praticamos algumas receitas curativas.

A alimentação foi especialmente tratada nas cozinhas abertas a nos oferecer a comida de verdade, livre de agrotóxico, preparada entre amigos, diversificada, vegetariana e muito saborosa. A cada casa visitada, pães degustados, receitas trocadas, memórias avivadas e relações construídas.

Ainda em volta do fogo, a boa cantoria embalou a noite fria das montanhas.

Também com a terapia holística, experimentamos, a partir do nosso corpo, a atenção, o cuidado, o relaxamento e a expressão livre com vivências, danças circulares e regenerativas.

Fomos apresentadas ao projeto escola Casa da Árvore, onde educadores e pais de filhos da primeira infância vêm se dedicando a construção de um ambiente pedagógico e lúdico para as crianças através da arte, da troca, da agricultura e permacultura.

E ainda conhecemos as jovens famílias do Sítio Tangará que saíram da cidade em busca de uma vida comunitária, plantando e cultivando seus alimentos agroecológicos, cozinhando e comendo juntos, produzindo e comercializando cosméticos naturais, parindo e criando os filhos naturalmente. Investindo nas relações entre si e com tudo o que as montanhas oferecem. Se ocupando com o dia-a-dia livre de petróleo.

Enfim, uma oportunidade para cada mulher de coragem renovar suas energias, sagradas e imprescindíveis.

[1] Educadora do programa da FASE no Espírito Santo.

[2] Artigo publicado originalmente no blog da Campanha Nem Um Poço A Mais, qual a FASE é parte. 

[3] O conteúdo deste artigo é de nossa responsabilidade exclusiva, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da UE.