25/01/2016 15:30
Joaquim Francisco de Carvalho¹
Apesar da desastrosa gestão imposta ao setor energético, o racionamento de eletricidade tem sido evitado pela queda da demanda, provocada pela recessão econômica. Mas isto não evitará futuros apagões, porque as mudanças climáticas comprometem a vazão dos rios e cerca de 70% da energia elétrica brasileira vêm de usinas hidrelétricas.
As bacias do São Francisco, Tietê, Paraná, Paraíba e Iguaçu – e até alguns trechos da bacia amazônica – estão sendo devastadas pela pecuária e pelas “plantations” de soja e cana – e pelas serrarias. Daí a queda da vazão dos rios e a gradativa perda desta que é uma das maiores riquezas naturais do país, o potencial hidrelétrico.
Em vez de agir no sentido de preservar as bacias hidrográficas, mediante estímulos ao reflorestamento das nascentes e margens dos rios, o governo propõe a implantação de centrais nucleares², precisamente quando esta opção é abandonada por países da vanguarda tecnológica, como a Alemanha, a Bélgica, a Suíça – e o Japão, que reativou apenas duas centrais nucleares, das mais de 40 que operava antes da catástrofe de Fukushima.
Até na França, que em termos relativos é o país mais nuclearizado do mundo, foi promulgada recentemente a lei da transição energética, lançando uma contagem regressiva para menor dependência da energia nuclear, em favor dos parques eólicos e sistemas fotovoltaicos.
Os defensores do “tout nucleaire” (como eu já fui, no passado) apontam a intermitência dos ventos e das radiações solares como desvantagem das fontes renováveis.
Ocorre que o aproveitamento das fontes renováveis pode ser muito aperfeiçoado. Por exemplo, a implantação de malhas inteligentes (smart grids), para interligar o sistema hidrelétrico com os parques eólicos e os sistemas fotovoltaicos, contribuiria para aumentar muito o fator de capacidade do conjunto e para compensar a intermitência dos ventos e radiações solares, por meio do chamado “efeito portfólio”, pelo qual, à semelhança de uma carteira de ações na bolsa de valores, a produção conjunta de todos os parques varia menos do que as produções de cada parque, isoladamente. E ainda se pode aumentar a eficiência das turbinas eólicas e dos painéis solares.
De outro lado, grandes desperdícios de energia podem ser evitados nas malhas das empresas de distribuição, nas quais os emaranhados de cabos nos postes induzem correntes reativas que provocam perdas descomunais.
Por fim, se houvesse planejamento energético e se os institutos de pesquisa investissem no desenvolvimento de sistemas de armazenamento de energia em larga escala, um grande impulso seria dado ao emprego das fontes eólica e fotovoltaica.
[1] Mestre em engenharia nuclear e doutor em energia, foi engenheiro da CESP e diretor da Nuclen (atual Eletronuclear). Artigo publicado no O Globo no dia 21 de dezembro de 2015.
[2] Saiba mais no site da Articulação Antinuclear Brasileira, parceira da FASE.